1.
O país uniu-se no espanto e na dor pela partida de Sara Carreira.
A Sara tinha a idade dos meus filhos mais velhos, impossível não nos colocarmos no lugar daquela família, daquele pai em sofrimento, um Tony Carreira que mergulhou num buraco de que não teve a certeza de conseguir regressar.
Regressou.
Conseguiu a partir do horror encontrar novos motivos para viver, a começar pela urgência de fazer com que a memória da sua única menina não morresse – fosse isso o que fosse.
2.
O julgamento chegou ao fim.
Há condenados a penas suspensas que desejam recorrer da decisão, mas não é esse o motivo do meu postal.
Hoje quero falar-te de Fernanda Antunes, a mãe de Sara.
Vimo-la no funeral da filha, de cabeça baixa, de um luto carregado, um luto de alma que era revolta, raiva, profunda dor.
Vimo-la no julgamento. A sair muitas vezes da sala para que o seu soluçar não fosse percetível pelas máquinas fotográficas, pelo ruído dos caçadores de lágrimas e vendedores de emoções.
3.
Quero falar-te de Fernanda, a mãe de Sara.
Sempre secundária no olhar das câmaras e dos retratos, sempre um passo atrás de Tony, o homem que era importante ver, ouvir, o ídolo de um Portugal duplamente comovido, a sua dor era a dor dos portugueses.
E a Fernanda amplificada na sua enorme solidão. Um poço fundo de silêncio, um vazio impossível de descrever, um anonimato apesar das televisões, dos holofotes, do ruído.
4.
Há pouco tempo escrevi sobre a Sara e recebi dezenas de mensagens.
De gente que perdera os seus filhos.
Em desastres na estrada, como a Sara.
Com doenças oncológicas ou súbitas.
Com overdoses, quedas, atropelamentos.
Homens e mulheres anónimos que continuam a velar os filhos que partiram, meninos e meninas que tinham o futuro à frente, bocados de futuro destruídos e apenas lembrados por pais que ninguém conhece, gente que já perdeu a capacidade de chorar, mas que se irrita por ninguém saber que o sofrimento não é um exclusivo dos que são mediáticos, dos que o país celebra em comoção.
Por isso, quero dedicar este postal aos pais e às mães que viram o impossível acontecer.
Porque é sempre impossível quando um pai ou uma mãe perde um filho – não há nome para essa barbárie.
E dedicá-lo também à Fernanda, mulher forte, digna e mãe de Sara Carreira.
Por detrás das luzes, ela foi o símbolo de todas as mães que esquecemos. De todos os filhos de que não soubemos da existência. De todas as lágrimas choradas por quem perdeu.
Texto e programa de Luís Osório
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