1.
Este Postal é especial.
Dedico-o aos saudosistas do Estado Novo.
Aos que defendem que antes é que era.
Aos que enchem a boca e as estantes com Salazar.
Aos que detestam a democracia e ainda mais a liberdade.
Aos que adorariam que o tempo tivesse ficado suspenso no dia 24 de Abril de 1974.
Aos maluquinhos que defendem aquilo que vem a seguir.
2.
Faz hoje 50 anos que a ditadura viveu o seu último dia.
Uma tristeza para os portugueses de bem.
Um país em que os homens eram homens – em que a “bichice” era tratada no manicómio e com choques elétricos ou à chibatada.
Um país que se dava ao respeito, com mulheres a parirem o futuro da nação e a tratar da casa. Com esposas fiéis que tinham o dever de fazer o que nós quiséssemos que fosse feito, que não podiam viajar sem a nossa autorização.
Um país em que as mulheres tapavam a menstruação com panos e tinham vergonha de nos expor à sua intimidade.
Um país forte que lutava pelas colónias contra os pretos e os comunas.
Um país temente a Deus, com metade das pessoas sem sonhos ou manias de grandeza, gente que não sabia ler ou escrever, mas que carregava ao lombo a pedra dura por Deus assim o desejar, se quisesse de outra maneira eles não teriam nascido pobres.
Um país com gente excecional, de boas famílias que travavam a ascensão da pequena burguesia ávida e gananciosa.
Um país em que os pobres nasciam e morriam pobres.
E em que os ricos nasciam e morriam ricos.
Um país em que não havia palavras de ordem ou greves. Tudo corria bem, sem crimes, sem roubos, sem droga, sem ambição.
3.
Celebremos o dia 24 de abril de 1974.
Celebremos esse Portugal que desejamos honrar.
Que saudades dos pobrezinhos de pé descalço, das vacas e bois a andarem pelas ruas, dos lenços pretos das viúvas de bigode, do trabalho infantil dos miúdos que eram educados com sopas de cavalo cansado, educados a não dizer asneiras e a servir nas tascas e nas fábricas.
Um país que não tinha lamechices. Em que as hospedeiras e enfermeiras não podiam casar, em que o país tinha informadores em cada esquina, olhos vigilantes que permitiam que tivéssemos uma vida protegida.
Um país em que as meninas não andavam na escola com os rapazes.
Em que as prostitutas eram necessárias para nos ensinar a fazer o que tínhamos de fazer.
Um país em que eram proibidos os divórcios.
Em que ninguém se metia se, em nome da nossa dignidade, precisássemos de dar um ensaio de porrada à nossa mulher ou aos nossos filhos.
Um país que não condenava à prisão os maridos que matassem as mulheres que os “encornavam”.
Que saudades do dia 24 de abril.
Em que não havia confusões.
Opiniões.
Divergências.
O veneno da Liberdade.
Que saudades de poder chamar pretos aos pretos.
De poder dizer que Angola é nossa.
De poder ser rico sem pensar em mais nada.
De poder não ter de olhar para trás com medo que os pobres pudessem, pelo seu mérito, ascender socialmente.
Não acreditem nos traidores da Pátria.
Nos que nos dizem que a esperança média de vida aumentou 16 anos.
Que a taxa de mortalidade infantil baixou de 44 bebés mortos em cada mil, para menos de 2 por cada mil.
Que uma em cada quatro mulheres não sabia ler.
Que os pobres ou remediados não entravam na universidade.
Que menos de metade das casas não tinha água canalizada.
Que 40 por cento não tinham sanitas ou esgotos.
Que não havia autoestradas.
Mentira!
Que saudades desse tempo em que tudo era previsível e éramos grandes.
Texto e programa de Luís Osório
Ouça o “Postal do Dia” na Antena 1, de segunda a sexta-feira, pelas 18h50. Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e RTP Play.