1.
Falei com Celeste Rodrigues duas vezes.
Uma delas na Parreirinha de Alfama numa mesa com Argentina Santos.
A Celeste era espantosamente parecida com a irmã, Amália Rodrigues. E quando saía à rua havia sempre alguém que olhava, que sorria, que a abordava com a clássica frase.
“É tão parecida com Amália”.
Ou palavras que derivavam dessa:
— Desculpe, é a Amália?
— É a irmã de Amália? Sei que também canta”.
2.
A Celeste cantou toda a vida.
Foi aliás das primeiras a cantar o fado fora de Portugal.
Tinha uma relação próxima com Amália, cantaram juntas em várias digressões e foi a diva, três anos mais velha, a colocar-lhe o xaile nos ombros, o batismo das fadistas.
Cantaram juntas, dormiram na mesma cama durante toda a infância e juventude, passaram as mesmas misérias, combateram os mesmos preconceitos, mas depois uma foi tudo e a outra não foi tudo o que mereceria.
3.
Celeste cantava maravilhosamente.
Ao contrário de dezenas de fadistas, que ainda hoje encontramos, nunca quis imitar a irmã. Foi sempre mais popular, mais fadista, mais da faca e do alguidar, mais das sombras e dos bairros.
Escrevo o postal por a ter acabado de ouvir na Rádio Amália.
Fez-me pensar nesta coisa de viver, de tantas vezes caminharmos sem saber se a vida já está preparada para nós sermos o que ela deseja ou se somos nós que a enfrentamos para sermos o que quisermos ser.
A Celeste sempre cantou.
Acompanhava com Amália as cantorias da mãe.
O “Milho Grosso” que cantavam enquanto descascavam ervilhas.
Acompanhava Amália no Cais da Rocha a vender fruta e a ver passar os marinheiros que eram uma porta para um mundo de sonhos.
4.
Celeste morreu há seis anos.
Cantou até aos últimos dias da sua vida.
Mais de 90 anos a cantar e a brilhar em lugares de poucas pessoas.
Mais de 90 anos em que ouviu dizer que era a outra, que era a irmã da que foi grande, da que foi única.
Celeste teve uma vida cheia.
Apaixonou-se por um toureiro, casou com o grande Varela Silva que depois haveria de se juntar, e também casar, com Simone de Oliveira, a segunda diva portuguesa.
Celeste foi um rio onde desaguaram gigantes.
Mas ela própria o era sem que o soubéssemos.
Texto e programa de Luís Osório
Ouça o “Postal do Dia” na Antena 1, de segunda a sexta-feira, pelas 18h50. Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e RTP Play.