1.
Há umas semanas elogiei o presidente da Assembleia da República no Jornal Económico.
Defendi que tinha feito num mês o que Augusto Santo Silva não fizera em três anos.
Pareceu-me ponderado, institucional e com capacidade e iniciativa política.
Depois, o que não desvalorizo, é empático e capaz de acolher ideias diferentes, a pessoa certa num tempo de polarização em que são necessários entendimentos e cumplicidades.
2.
José Pedro Aguiar Branco precisou de um mês para me convencer. E de trinta segundos para me desiludir. Fez-me lembrar aquela anedota de adolescência do “vai ser tão bom, não foi?”.
Não vou discutir a polémica jurídica e legalista, os limites da liberdade de expressão consagrados na lei ou o que diz o Regimento da Assembleia da República.
Uns defendem uma coisa, outros outra.
Há advogados e constitucionalistas para todos os gostos e credos ideológicos, mas mesmo que todos dissessem a mesma coisa, que todos afirmassem da razão substantiva de Aguiar Branco, continuava a ser chocante aquilo que defendeu.
3.
Não me vou esforçar para encontrar argumentos inteligentes.
Vou escolher apenas os de senso comum.
Se nos liceus portugueses os adolescentes afirmarem que os seus colegas negros deviam ir para a sua terra por serem estúpidos ou preguiçosos, isso é liberdade de expressão?
Se um deputado pode dizer que uma raça é mais burra ou preguiçosa por que raio de razão os nossos jovens não o podem começar a dizer também?
E os operários nas fábricas e os portugueses de “bem” nas ruas ou os adeptos nos estádios de futebol?
E nas redes sociais como condenar os alarves que insultam as pessoas por serem homossexuais, pretos, árabes ou comunistas? Isso passa a ser liberdade de expressão?
E se André Ventura afirmar que compreende o que os nazis fizeram aos judeus na II Guerra Mundial? Isso é liberdade de expressão?
Teria Aguiar Branco defendido o mesmo se em vez da Turquia, o líder do Chega tivesse atacado Israel? Como Ana Sá Lopes, não acredito que o fizesse, sei aliás que não o faria. Mas se tal ousasse sei também que já não seria presidente da Assembleia da República.
4.
Antes de Hitler ganhar as eleições na Alemanha também pôde dizer tudo no parlamento alemão. E também houve um Aguiar Branco, permissivo, cosmopolita, polido, diplomata que, em nome da liberdade de expressão, deixou passar o que os nazis entenderam acerca da terrível e perversa raça judaica.
A democracia tem limites.
E a liberdade de expressão também tem limites.
Como posso explicar aos meus filhos que na Assembleia da República se podem dizer barbaridades? Como posso dizer-lhes que é só ali que se pode insultar outro por ser de uma raça diferente da nossa ou de uma religião que se ajoelha a um outro Deus?
Como lhes posso dizer que só ali o podem ouvir, não na escola, não nos cafés, não nas ruas, não nas empresas, nos estádios de futebol, nas redes sociais, nas fábricas?
Como lhes posso ensinar o que não tem lógica nenhuma?
O que é indefensável?
Como pode a partir de agora um professor pedir silêncio a um racista?
Como pode ser travada a rebelião antidemocrática nas polícias e nos quartéis?
Isto vai acabar muito mal.
Texto e programa de Luís Osório
Ouça o “Postal do Dia” na Antena 1, de segunda a sexta-feira, pelas 18h50. Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e RTP Play.