1.
Olivier é filho de um dos primeiros cozinheiros conhecidos do povo.
Michel tornou-se uma celebridade e o filho aprendeu com o pai e superou-o de alguma forma – o que é uma boa notícia, é sempre bom quando os filhos acrescentam ao que os pais fizeram.
Segui nos últimos anos a sua carreira.
Não por ser um entusiasta da cozinha, mas pela curiosidade do Olivier ter nascido no mesmo dia que eu, 15 de setembro. Ele mais novo do que eu quatro anos.
2.
Estagiou no Ritz e teve o mérito de se fazer ao caminho.
Abriu restaurantes, ganhou relevância e um estatuto de chef estrela.
Por estes dias ouvi-o atentamente numa entrevista a Manuel Luís Goucha.
Confesso ter ficado siderado com a brutalidade com que assumiu o que o move na vida desde o instante em que se levanta.
Não é o prazer dos projetos, a invenção de um prato, deixar uma marca, escrever um livro com Ferran Adriá ou fazer o que ainda não foi feito.
Não é nenhuma dessas coisas que o move ou que o preocupa.
Os pobres no mundo, os que sofrem, as guerras, os populismos, Deus ou a sua ausência…
Não, nenhuma dessas coisas.
O que o move, o que o faz levantar-se todos os dias da cama é ganhar dinheiro.
3.
Um objetivo que tem desde que era miúdo.
Jogava golfe para ser um profissional, não especialmente por prazer. E quando percebeu que não tinha talento para se tornar um milionário a jogar golfe, deixou de o fazer.
Sem uma hesitação.
Afinal, o seu objetivo era claro: ser multimilionário, ganhar todo o dinheiro que pudesse.
Na escola chumbou vários anos, mas sem nunca se atemorizar por que qualquer coisa lhe dizia que não era por ali que iria conseguir.
4.
É surpreendente quando vemos alguém a assumir com cândida simplicidade o que quase ninguém assume.
Porventura o defeito será meu, talvez seja esta coisa pequenina de transformarmos o dinheiro numa coisa suja, numa coisa indigna.
Ainda assim é arrepiante quando um ser humano gasta o melhor da sua vida a perseguir objetivos tão curtos, tão pequenos, tão pobres.
O problema é meu.
Sou um megalómano, continuo atrás da ideia de me encantar com o mundo, de estar de olhos abertos, de perder tempo com o que não tem importância alguma, de ler livros, de ver filmes, de sonhar acordado, de insistir em ver e não apenas olhar.
Olivier vai conseguir ser milionário, é provável que já o seja, mas um dia perceberá que havia objetivos bem mais difíceis de concretizar.
Texto e programa de Luís Osório
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