1.
Quando o país acordou no dia 25 de Abril com a notícia de que nada seria como antes, a liberdade tinha várias caras.
A liberdade, como a servidão, tem sempre muitas caras e dimensões.
Falava-se de eleições e da legalização de partidos, do fim da guerra colonial e da libertação dos presos políticos, do fim da PIDE e da democracia.
Naqueles meses, entre meados de 74 e final de 75, houve confronto de ideias e a cultura abriu-se a artistas que marcariam uma época na música, no teatro, nas artes plásticas.
2.
Hoje, segunda-feira, dia 29 de janeiro, quase 50 anos depois, é um dia importante. É que nesse tempo já distante, havia um homem que era uma esperança.
Chamava-se Mário Mesquita e fora um dos fundadores do Partido Socialista, em 1973.
Mário Soares, Salgado Zenha e Raúl Rego achavam que Mesquita ajudaria a definir o futuro do país em democracia. Era brilhante, ponderado, culto, criativo.
E tinha 23 anos – um pasmo para todos os seus camaradas.
3.
Não se cumpriu a profecia política.
Mário Mesquita recusou quase todos os convites e nunca quis tomar parte no combate político. Ofereceram-lhe tudo e tudo recusou em nome da sua liberdade e do jornalismo a que se dedicou com toda a convicção.
Hoje é um dia importante porque na Gulbenkian será lançado postumamente o seu livro derradeiro. Precisamente sobre a transformação dos “media” a partir da Revolução de Abril.
Um lançamento que não podia ser mais atual.
Pouco mais de uma semana após a marcação de uma greve geral no Congresso dos Jornalistas, e quando a profissão passa por uma crise jamais vista, é extraordinária a coincidência de Mário Mesquita ter regressado do seu “exílio” para nos ajudar a recordar que a profissão tinha sonhos, que ser jornalista é um compromisso que não está dependente de nada do que seja exterior à ética e deontologia da profissão e que o jornalismo é uma trave mestre de uma ideia de liberdade e da democracia.
4.
O livro é editado pela Tinta da China um ano e meio após a morte de Mário Mesquita.
Um livro que só foi editado pelo amor e dedicação da sua filha, Ana Medina Mesquita.
Assistiu ao silenciamento do seu pai e à hipocrisia com que alguns o trataram durante demasiado tempo, até na profissão. Ela e a mãe Clotilde que juntas continuam a zelar pelo nome de um homem que poderia ter sido tudo, conquistado tudo, sido ministro, deputado ou mordomo da República, mas que preferiu ser o que achava que devia ser.
Um jornalista.
Livre de amarras.
O que voltou para contar a história e para que nunca nos esqueçamos do que está em causa.
Texto e programa de Luís Osório
Ouça o “Postal do Dia” na Antena 1, de segunda a sexta-feira, pelas 18h50. Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e RTP Play.