1.
Confesso-te que não dormi.
Ou melhor, dormi aquele sono solto em que parece que ainda não estamos acordados embora também não estejamos a dormir.
Os resultados eleitorais esmagaram-me.
Quando me deitei veio-me à cabeça um dos homens mais inteligentes entre os mais inteligentes que passaram pela minha vida. Nuno Brederode Santos disse-me uma vez o que me foi impossível de esquecer: “Luís, nos momentos difíceis lembra-te que a indignação é um espasmo da inteligência”.
2.
Tive tempo para pensar.
Sobretudo tempo para deixar passar a indignação.
Recusei estar ontem num painel de comentadores e ainda bem que não estive, teria sido mais difícil domar o desconcerto.
Mas hoje tenho a obrigação de dizer alguma coisa.
Fugirei um pouco ao padrão dos postais que retomarei amanhã.
3.
O PSD ganhou as eleições e Luís Montenegro merece ser primeiro-ministro. Revelou-se muito melhor do que a maioria pensava que valesse, foi melhor do que todos os ex-líderes que lhe apareceram a tentar aplanar ou dificultar o caminho.
E segurou a votação de 2021 apesar do crescimento de André Ventura.
Não ganhou com o meu voto.
Sou assumidamente de esquerda, nunca votei à direita, mas muitos parabéns ao líder do PSD, tem o meu respeito e expetativa.
4.
Passo ao lado da análise política.
Passo ao lado do que se passa em Belém ou no Largo do Rato.
Mas não posso passar ao lado do Chega e de André Ventura.
Já não dá para o fazer.
Se o fizesse estaria a desvalorizar a democracia e a democracia não pode ser desvalorizada – como aliás afirmou ontem Pedro Nuno Santos.
O Chega teve mais de um milhão de votos.
Mais de um milhão de portugueses ofereceu a melhor arma que tem, o direito de votar e o seu voto, a um homem que abomino e a um projeto político contra o qual eu seria capaz, numa situação extrema, de oferecer a única coisa que tenho, a minha vida.
5.
A situação espero que não se coloque.
Espero que o Chega nunca crie as condições para que a democracia morra em Portugal. Espero que nunca se criem as condições internacionais para isso, mas se tal acontecer farei o que for preciso, sem vacilar.
Mas um milhão de portugueses não concordam comigo.
E tenho de os respeitar e compreender enquanto o jogo for a democracia.
E para ser totalmente coerente com a defesa da democracia, não faz sentido que o PSD não convide o Chega para formar governo.
Sei o que Luís Montenegro prometeu, e muito bem, aos portugueses. Mas as circunstâncias alteraram-se por completo.
O Chega no governo é impensável. Mas é mais impensável para a democracia, também para o PSD e o PS, Ventura continuar a engordar a sua votação.
Se ele não for poder, se ele não se desgastar com o poder e a necessidade de ser competente no exercício da governação, se ele continuar de fora e a ser oposição, numa das próximas eleições ganhará.
E um dia ganhará com maioria absoluta.
Nunca pensei escrever ou dizer tal coisa.
Mas o melhor para a democracia é André Ventura entrar no governo.
Melhor também para Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos.
Melhor para um PSD e um PS que, para nosso espanto, estão condenados a entenderem-se no futuro.
Texto e programa de Luís Osório
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