1.
Foi uma das pessoas mais importantes para a minha família nestes últimos dois anos.
Era mais novo do que eu cinco anos, nascera em 1976.
Já depois do 25 de Abril.
Mas ao contrário da revolução, não vamos poder festejar os seus 50 anos pois morreu de um dia para o outro.
2.
O Padre Jesuíta José Maria Brito era iluminado.
Vivia para os outros, estava sempre disponível para os outros como se tivesse todo o tempo do mundo, como se fosse eterno.
Disponível até para quem não acreditava em Deus ou para mim que… acreditando… não sabe bem como lidar com as regras do silêncio.
Combinei que seria ele a batizar os meus mais novos. Fi-lo no momento em que o Afonso e a Benedita mo pediram.
O Padre José Maria ficou feliz, mas não chegou a acontecer.
3.
Não conheci ninguém que tão bem fizesse a ponte entre gente muito diferente – de esquerda e direita, progressistas e conservadores, velhos e novos, pretos e brancos, homens e mulheres.
Não conheci ninguém que falasse tão naturalmente da tolerância para com as minorias – quer fossem homossexuais, casais divorciados ou gente excluída por este ou aquele motivo.
Na nossa última conversa, a beber café e a comer pastéis de nata, contou-me do encontro com o Papa Francisco que o abraçou como se o chamasse.
4.
Dirigiu a comunicação da Companhia de Jesus em Portugal e a principal revista dos Jesuítas.
Estudou Teologia em Boston e Madrid, esteve quase um ano no Quénia e vivia agora em Évora onde se queixou de estar a engordar por causa das açordas e dos coentros alentejanos.
O Padre José Maria Brito morreu de um dia para o outro.
Um AVC fê-lo cair sem perder a consciência, mas no Hospital de Évora percebeu-se que tinha várias lesões no cérebro e metástases de que ninguém fazia ideia, de que ele não fazia ideia.
E sabes o que escreveu uma semana antes, a última que escreveu na sua página de Facebook?
“Abnegar-se é também não permitir à dor que tenha a última palavra”.
Como é possível?
5.
Poucos minutos depois de morrer recebi uma mensagem muito bonita, um excerto do comunicado da Companhia de Jesus.
“O nosso irmão José Maria partiu para o Céu”.
Apenas isto.
Quero agradecer-lhe por tudo o que me ensinou.
Pelas conversas.
Pelos livros de que falámos.
Pelos textos que trocámos.
Pela liberdade que sempre foi a sua matriz.
Era um homem bom e livre.
Generoso e tolerante.
Avesso aos extremos e ao ódio.
Fazia falta aqui.
Fazia muita falta aqui.
Meu querido Zé Maria tentarei fazer o que me pediste, o que nos pediste.
E espero que oiças este postal do dia – sei que o ouvias quase todos os dias, não falhes este.
Texto e programa de Luís Osório
Ouça o “Postal do Dia” na Antena 1, de segunda a sexta-feira, pelas 18h50. Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e RTP Play.