1.
Numa das últimas edições do Expresso, Luís Freitas Branco escolheu 50 canções que simbolizam o combate pela liberdade.
Meia centena de temas interpretados antes de abril de 1974 por gente corajosa que fez a sua parte.
Entre as canções escolhidas está uma do meu pai. O crítico musical e neto do grande compositor, também Luís Freitas Branco, sublinhara já o papel de José Manuel Osório no seu livro “A Revolução antes da Revolução”, editado há pouco mais de um mês.
2.
Quando eu e os seus netos desfilarmos no dia 25 de Abril, ele estará presente em nós.
Os mais velhos, André e Miguel, sabem de tudo.
Os mais pequenos, Afonso e Benedita, que nunca conheceram o avô, sabem o que lhes contei.
Que não era bonzinho ou tinha bom-feitio.
Mas que era corajoso e obstinado.
Que não foi um pai muito próximo.
Mas que foi o melhor pai que eu poderia ter.
Que era louco, noctívago e espalhafatoso.
Mas também solidário, generoso e muito inteligente.
Que andou pela vida como se os outros é que fossem importantes.
Mas que esta lhe retribuiu com condecorações e o reconhecimento de que foi enorme.
3.
Enorme no modo como enfrentou a doença e resistiu mais anos à SIDA do que qualquer um em Portugal.
Enorme no modo como deu a cara contra o preconceito e ajudou tantos doentes a encontrar a coragem que precisavam.
E enorme no modo como perseguiu a liberdade.
A do país.
A de poder ser o que quisesse ser.
Perseguiu a liberdade coletiva e a queda da ditadura – cantando a revolução, agitando na Faculdade de Direito, conspirando em Paris.
Perseguiu também a liberdade individual e a queda dos preconceitos – contra os homossexuais, contra os comunistas, contra os comunistas homossexuais, contra os que achavam que o fado era uma canção do salazarismo, contra os que acreditavam que a cultura era dispensável.
4.
O meu pai gostava de ameijoas.
Misturava com o dedo refrigerantes com vinho tinto.
Não percebia nada de futebol, mas via o Benfica e gritava golo.
Não acreditava em Deus, mas fazia por estar em casa na Procissão das Velas ou do Adeus.
Nunca disse que gostava de mim, mas a minha fotografia gigante era a única que tinha na parede do seu quarto.
Sim, quando desfilar no dia 25 de Abril ele estará comigo.
E com os quatro netos.
O avô Zé Manel é o seu herói.
O seu Abril.
E o meu.
Texto e programa de Luís Osório
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