1.
Arrancou em Portugal mais um canal de informação.
O Now promete ser diferente da concorrência e apresenta trunfos e ambição. Já é alguma coisa, a seu tempo se verá se cumpre os objetivos.
Boa-sorte é sempre o que desejo quando nasce um projeto jornalístico. Bem precisamos que mais ideias corram bem e se concretizem.
2.
O novo canal pertence ao grupo editorial do Correio da Manhã e da CMTV. Também da revista Sábado, do Record e do Jornal de Negócios.
O universo Correio da Manhã não vai ao encontro do que é o meu conceito de jornalismo de referência. Acredito noutra matriz, noutro modo de apresentar e trabalhar as notícias, acredito sobretudo que o jornalismo não pode ser um instrumento do populismo e, de alguma forma, o Correio da Manhã tem contribuído para que a sociedade portuguesa seja mais crispada, mais desconfiada em relação à classe política e mais justicialista.
Tenho alguns amigos no Correio da Manhã, alguns que admiro e respeito.
Nunca me tentaram contratar e não aceitaram uma ideia que lhes apresentei há uns anos para escrever uma crónica futebolística, julgo que durante um Campeonato do Mundo.
O que penso do Correio da Manhã foi sempre correspondido por eles em relação a mim – o jornalismo que fiz, as crónicas que escrevo não vão ao encontro do que é a informação e a opinião defendidas (legitimamente) pelo projeto editorial de maior sucesso em Portugal.
3.
Posto o contexto acrescento um ponto à discussão.
Quando passo pela redação do Correio da Manhã vejo o que me apaixonou no início da carreira, é lá que encontro os jornalistas que mais se aproximam aos que conheci nos tempos de ouro.
Na redação do semanário O Jornal de há trinta anos, e depois no DN, a larga maioria era jornalista a tempo inteiro. Quando se “fechava” a edição iam jantar e conversar sobre notícias e depois do jantar eram “engolidos” pela noite por que esta se aproximava de uma ideia de “verdade”.
Com o Rogério Rodrigues conheci polícias e informadores.
Com Cardoso Pires conheci a força do substantivo e a poesia das mulheres perdidas e dos néons.
Com Assis Pacheco a arte da resistência e a regra de que o jornalismo não se compadece com o medo ou a superfície.
Com aquela gente mergulhei em lugares proibidos. Perdi-me em restaurantes chineses clandestinos, pensei na vida ao lado de uma garrafa de Famous Grouse, dormi pouco e às vezes nada, arrisquei pelo amor ao jornalismo, divorciei-me, acordei em lugares impróprios, comi feijoada às seis da manhã no Cacau da Ribeira, tomei “banho” no jornal e o pequeno-almoço em tascas de má fama.
Tempos felizes.
4.
E hoje, estando particularmente à vontade para o afirmar, é naquela redação que continuo a reconhecer gente comprometida com esse pacto de vida e de morte com a profissão.
É ali que vejo gente que se confunde com os ladrões, que bebe copos com informadores e agentes secretos, é ali que estão os que se divorciam mais do que os outros, os que não têm uma vida normal, os que não sabem o que fazer quando estão em férias, os malvestidos e desgrenhados que se estão a borrifar para a imagem, também os mais insuportáveis e inclementes.
Era isto.
Dificilmente voltaria a uma redação assim, tornei-me outro.
Mas é justo reconhecer que aquelas pessoas são as últimas de um tempo quase morto…
e estão a ganhar, o que me deixa secretamente satisfeito.
Texto e programa de Luís Osório
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