1.
O futebol é uma ciência exata.
Se a bola entra na baliza e a equipa ganha está tudo bem.
Se a bola bate no poste as pessoas perdem a cabeça e são capazes de tudo.
Ninguém está a salvo de poder ser insultado, agredido ou humilhado.
Chega a ser cómico se não fosse trágico.
2.
O que vimos durante semanas com Rui Costa, presidente do Benfica, fez-me impressão.
De repente, o ídolo que encantava os benfiquistas, o “maestro”, o dez, o menino que um dia chorou por ter marcado um golo ao Benfica, já não era nada disso.
Vi-o a ser cuspido em Moreira de Cónegos.
Vi sócios a destratá-lo como se tudo o que fez já não tivesse importância nenhuma.
Vi gente sem história alguma a vomitar sentenças como se fosse dona da verdade e o presidente do Benfica não passasse de um débil mental que tinha de ser escorraçado a pontapé.
Vi um ex-presidente do Benfica a vingar-se num canal de televisão – que impressão quando vemos uma má pessoa em direto a não conseguir esconder a maldade de que é feito.
Vi até um tipo de quem nunca ouvira falar a candidatar-se à presidência do Benfica. E a falar como se fosse a última Coca Cola do deserto.
3.
Rui Costa tem cometido muitos erros.
Se é o líder que o Benfica precisa ou se outro ocupará o lugar é um tema que hoje pouco me interessa.
O que sei é que o futebol é um território que apela ao pior de nós.
Não há memória.
Não há respeito pela memória.
Agora foi Rui Costa.
Como antes foram maltratados tantos heróis do Benfica, do Porto e do Sporting.
Num país onde Cristiano Ronaldo sofre tantos ataques quando se atreve a não marcar um golo, não há nada que nos possa surpreender no futebol.
Todos podem ser tratados abaixo de cão.
Todos podem ser pontapeados.
Enlameados.
Ridicularizados.
Todos podem ser atacados e ameaçados no que têm de mais íntimo.
Nos filhos.
Na mulher.
Nos pais.
Vai tudo a eito.
É preciso ter coragem para dizer o que se disse de Rui Costa.
Ou de Cristiano quando não marca golos.
Ou de Jorge Costa nas imediações do Estádio do Dragão quando o poder era outro.
Se o Papa Francisco tivesse trocado a santidade pela bola, já teria sido posto num andor a caminho da fogueira.
Bem-vindos ao futebol.
O único lugar em que não há passado ou futuro.
O lugar onde a única coisa que interessa é o momento.
E uma feroz amoralidade em que ser boa pessoa não é um valor aplaudido.
Texto e programa de Luís Osório
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