1.
Há poucos lugares tão difíceis como os quartos de hospital onde estão internadas crianças com cancro. Difíceis e incompreensíveis – ser criança ou adolescente é ser eterno, é viver para sempre, é ter um pacto com o futuro, é ver a morte como uma coisa de filme, longínqua e ligada às rezas e mezinhas das avós.
Mas as salas de internamento e os hospitais de dia estão cheios de meninos e meninas que lutam pela vida. Há famílias incrédulas que todos os dias caminham para o IPO de Lisboa e do Porto. Pais e mães com rugas novas todos os dias, pais e mães que fazem o que podem e se alimentam de esperança.
2.
Mas o cancro não é um fatalismo.
Não pode ser um fatalismo.
Todos os dias há quem fique curado.
Todos os dias há lágrimas de alegria e abraços.
E desde há uns dias que estão dois sinos na ala das crianças do IPO no Porto. Um à saída dos internamentos e o outro à saída da pediatria do hospital.
Chamam-lhe o “Sino da Esperança”.
Todos os que lá estão sabem que quando toca há um menino ou menina curados, uma criança que não tem de voltar a fazer tratamentos de quimioterapia ou radioterapia, que não voltará a ter enjoos, que terá o seu cabelo de volta e a possibilidade de voltar à escola, de brincar como os outros, de fazer planos e de ser eterno.
3.
Falamos de tantas coisas más e, tantas e tantas vezes, esquecemos as coisas bonitas, as que verdadeiramente nos oferecem razões para acreditar que vale a pena estar aqui.
Não sei quem teve a ideia, sei que o projeto nasceu num hospital oncológico americano e acredito que aqueles dois sinos são uma convocação do “bem”, um apelo ao que nos transcende, um grito de esperança que faz chorar os que se curam e também os que ainda não estão curados.
4.
No IPO do Porto, médicos, enfermeiros, psicólogos, educadores, auxiliares juntam-se no momento em que o sino toca.
Faz-se uma festa.
E depois correm para dentro para amparar os que choram com medo que o sino não toque para eles.
A vida é isto.
Um confronto sempre entre a esperança e o medo.
Entre a angústia e a coragem.
Entre a dor e a redenção.
Sabemos lá nós o que dizer?
Que o sino toque muitas vezes, todos os dias e para todos.
Talvez toque no outro lado e haja anjos em vez de médicos e enfermeiros, talvez haja luz, sinos e futuro.
Texto e programa de Luís Osório
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