1.
Nos últimos meses não tem sido fácil para Marcelo Rebelo de Sousa.
Envolvido na polémica das gémeas brasileiras, com implicações familiares que o abalaram, dilacerado pelo crescimento da extrema-direita e pela dificuldade de entendimentos no parlamento, acossado pelos comentadores televisivos que vivem das certezas e nunca do benefício da dúvida, traído pelo seu excesso de descontração na já célebre entrevista a jornalistas estrangeiros e tudo o resto de que me esqueci.
Acontece a comuns mortais e predestinados, a tempestade quando é perfeita arrasa e não deixa pedra sobre pedra.
A vida é sempre imaginosa a fazer e desfazer cenários, mais imaginosa do que o próprio Presidente da República que é especialista em antecipar o futuro, domar o passado e exercitar a inteligência.
2.
Não tem corrido bem, mas não exageremos.
De repente, não há bichinho que não o critique de um modo desabrido, patético e até ordinário.
Ou porque não tem condições para ser Presidente.
Ou porque deve apresentar um relatório psiquiátrico.
Ou porque é imoral o que disse do filho.
Ou por não ser independente.
Ou por ter colocado o Chega a dominar o parlamento.
Ou por estar envolvido numa cabala que fez cair António Costa.
Ou porque é um traidor da Pátria.
Ou por isto e aquilo.
É uma vingança dos que não suportam tipos como Marcelo. Não suportam tipos populares, tipos que abraçam, que não sacralizam as funções, que aceitam sempre fazer mais uma selfie.
Marcelo Rebelo de Sousa tem errado bastas vezes.
Meteu-se numa camisa de onze varas que lhe retirou a possibilidade de sair pela porta grande, mas os anos da sua presidência foram genericamente bons anos.
Um orgulho que um homem assim tenha sido Presidente da República. Um orgulho ouvir o que dizem fora do país sobre Marcelo, o que aplaudem por estar bem na tasca e no Palácio de Westminster, a discursar nas Nações Unidas ou a amparar sem-abrigos, sentado na Sala Oval ou a ir falar a escolas em bairros sociais…
… um orgulho, senhor Presidente.
3.
Mas há maldades e maldades.
Entre estas registo a opinião de José Miguel Júdice, seu amigo há mais de 50 anos.
Havia necessidade de afirmar no seu comentário que Marcelo já ganhou o prémio de pior Presidente da história?
Havia necessidade de dizer que Marcelo teve uma infantilidade própria dos velhos? Que já não tem os filtros normais numa cabeça saudável? Que não parece estar bom da cabeça? Que deve apresentar um atestado médico para que o país possa sossegar?
Por que o fez?
É legítimo que um amigo o possa fazer?
Não é imoral, perverso e maldoso?
Mesmo que tivesse razão um amigo pode dizer tal coisa?
Ou sou eu que estou a ver mal?
Talvez seja, mas então não é um mundo em que me queira movimentar.
Texto e programa de Luís Osório
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