1.
Já passaram os dias suficientes pelo episódio do croquete e da salada russa. E também pelo fim desta frágil edição do Rock in Rio.
Posso escrever sem a pressão dos milhares de memes e dos milhões de partilhas nas redes sociais de velhos e novos. Não houve quem não gozasse o prato.
O assunto não tem muita importância. Em todas as organizações há quem tenha excesso de zelo, gente que não consegue ter poder – mesmo que seja o de levantar uma cancela ou de vigiar a mesa das “sandochas”.
2.
Quero, ainda assim, dizer duas coisas a Sónia Tavares.
Uma mulher forte, com uma voz ainda mais forte e que, juntamente com o excelente Nuno Gonçalves, soube encontrar um espaço na música e na cultura portuguesa que não era óbvio para quem vive fora de Lisboa ou do Porto.
Os Gift chegaram de Alcobaça e ocuparam um lugar por mérito e talento.
3.
Mas Sónia precisa de ter cuidado.
A fama, seja isso o que for e em que dimensão for, é fácil de desbaratar. Podemos precisar de uma vida para construir um castelo, mas duas ou três más decisões são suficientes para desmoronar uma fortaleza que achávamos inexpugnável.
A Sónia pode ter razão para estar chateada com um episódio triste, no entanto o seu vídeo de denúncia foi e é assustador. Pode ter sido para gozar, pode ter sido feito na ideia de provocar o que há de surrealista na situação, mas é quase impossível vê-lo até ao fim, sobretudo para quem gosta do que ela faz, do modo como interpreta, do que nos tem deixado.
É uma estrela rock, tudo bem.
Por isso, jamais escreveria este parágrafo se não tivesse acontecido uma outra coisa bastante mais grave.
4.
A propósito das campanhas de marketing e dos comentários a pretexto do croquete, a vocalista dos Gift escreveu isto nas redes sociais.
Passo a citar:
“A vossa amigalhaça vem por este meio comunicar que é uma bacana, mas que se houver mais alguma campanha de marketing, ou publicidade e serviços à conta da sua imagem, sem autorização prévia, começa a avançar com processos judiciais. Se a criatividade é escassa, vejam mais filmes, vão a museus, ouçam boa música, que o croquete já tem ranço”.
Certamente que Sónia Tavares não pode ter pensado antes de escrever o que escreveu.
Ameaçar de processo empresas por aproveitarem o “croquete” em campanhas de marketing?
Que coisa feia!
Além da intolerância e da falta de sentido de humor, próprias de gente e ideias que devem ser combatidas, Sónia revelou o quanto está dentro de uma bolha e um bocadinho fora da realidade.
Estou aliás particularmente à vontade pois defendi-a quando alguns a acusaram de se aproveitar da figura e dos fados de Amália Rodrigues para vender discos.
O assunto era diferente, mas a retórica era a mesma.
Texto e programa de Luís Osório
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