1.
A pergunta parece estranhamente ridícula, até um pouco absurda, mas se pensares um bocadinho talvez não o seja.
Repito então: valerá a pena educar os nossos filhos para receberem as pessoas com um sorriso, serem afetivos, tratarem bem os outros, serem simpáticos, disponíveis, solidários?
Valerá a pena sabendo à partida que a vida será sempre mais difícil para os que são assim?
2.
Quando nos aparece alguém com tal perfil podemos ficar impressionados – que maravilhosa pessoa ali está!
Ou desconfiados com tanta simpatia – o que estará por detrás da disponibilidade e da excessiva simpatia?
Se olharmos para as administrações das grandes empresas é difícil encontrar alguém assim. Quem escolhe os que mandam não quer salamaleques e afetividades, o que será quando tiverem de dar más notícias ou quando forem obrigados a exigir ou a despedir?
A maioria dos empresários não acredita muito que a bondade ou a simpatia sejam as melhores características para um líder que deseja ser respeitado.
3.
Se olharmos para os líderes políticos, para os treinadores das grandes equipas, para os maiores produtores, realizadores, diretores de informação, reitores universitários e vedetas planetárias ou de bairro, é a mesma coisa.
São minoritárias os que reconhecemos como boas pessoas.
Existem, mas há sempre um torcer de nariz.
Uma desconfiança, uma dúvida metódica.
Preferimos os que parecem ter engolido um cabide, os que falam pouco, os que são amorais, os que têm uma ausência de empatia, os distantes, os que não se inibem de humilhar, de destratar, de o fazer sem que isso altere o seu ritmo cardíaco.
Ou então, para que não penses que sou nisto radical, preferimos os que são equilibrados. Os que sabem separar o profissional do pessoal. Os que têm empatia, mas que deixam de a ter quando um subordinado não cumpre objetivos ou tem um momento de fraqueza.
4.
Gostamos de ser bem tratados, mas se o assunto não for connosco escolhemos os que não colocam os sentimentos à frente dos objetivos a cumprir.
Como digo tantas vezes ninguém desconfia quando chega um canalha à sala.
Mas quando uma boa pessoa nos bate à porta a primeira coisa que fazemos é desconfiar – afinal, “quando a esmola é grande o pobre desconfia”.
5.
Então volto à pergunta inicial.
Vale a pena educarmos os nossos filhos para a bondade?
A minha resposta pode chocar os mais sensíveis.
Vale, vale bem a pena educá-los para fazerem o bem, para se viciarem nos bons pensamentos, nos abraços, na generosidade.
Vale a pena ser utópico e não ter medo de enfrentar o mal – seja isso o que for.
Texto e programa de Luís Osório
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