Foi a 30 de janeiro de 1974 que se estreou o filme “Lacombe Lucien”, do francês Louis Malle. Meio século depois, vale a pena recordar que a sua singularidade temática é reveladora de uma evolução dramática e dramatúrgica de um dos géneros mais populares da história do cinema: o filme de guerra ou, mais especificamente, o filme sobre a Segunda Guerra Mundial.
Estamos, de facto, perante a saga, não de uma figura épica, mas de um anti-herói. Pormenor esclarecedor: no mercado português, “Lacombe Lucien” foi lançado com o subtítulo “O Colaboracionista”. Interpretado pelo excelente Pierre Blaise (faleceu em 1975, vítima de um acidente de automóvel, contava 27 anos), Lacombe Lucien é uma personagem que oscila entre a Resistência Francesa e o colaboracionismo com o invasor nazi — através de um labirinto de traições e ambivalências morais, Louis Malle recorda-nos, afinal, que a história não pode ser reduzida a uma banal acumulação de figuras estereotipadas.
“Lacombe Lucien” relança, assim, a herança de alguns títulos marcantes na abordagem da Segunda Guerra Mundial, sendo fundamental evocar o emblemático “Alemanha, Ano Zero” (1948), de Robert Rossellini — neste caso, filmando nas ruínas de Berlim, Rossellini dá-nos a ver a tragédia de um povo que tenta sobreviver ao legado das ilusões propagandeadas pelos nazis, numa narrativa tanto mais perturbante quanto se centra na personagem vulnerável de uma criança.
“A Infância de Ivan” (1962), de Andrei Tarkovski, “Lore” (2012), de Cate Shortland, ou “O Capitão” (2017), de Robert Schwentke, são outros exemplos de abordagens envolvendo personagens e situações capazes de nos fazer entender melhor as dinâmicas individuais e colectivas da guerra. Sem esquecer, claro, que o dramatismo dessas dinâmicas não exclui a sua abordagem em registo de comédia, como o prova o trabalho de Charlie Chaplin, em “O Ditador” (1940), uma paródia burlesca sobre um “sósia” de Adolf Hitler — pouco depois do início do conflito, Chaplin denunciava, com irresistível humor, os mecanismos de um poder totalitário.
Texto de João Lopes
O cinema sobre a II Guerra Mundial é o mote para o episódio desta semana do programa “Duas ou Três Coisas”, de João Lopes e Nuno Galopim, para ouvir esta sexta-feira (depois das 23h na Antena 1, ainda antes na RTP Play).