1.
Somos amigos sem o sermos.
Aposto que também tens amigos assim – gente que não frequentas, com quem não estás, mas que quando vês é como se sempre lá tivessem estado.
Com o João Pedro Pais é assim.
Da última vez que o vi ele estava num carro a cair de podre. Abriu o vidro e gritou “Luís”
… telefona-me!
2.
Não telefonei, quase nunca telefono, sou um tipo bizarro.
Não telefonei, mas admiro o João Pedro.
Pela humildade, pela solidão (mesmo quando acompanhado), pela tristeza que se pressente (mesmo tendo sucesso nas vidas que escolheu), pelo enorme talento (mesmo não sendo tão reconhecido pelas elites como deveria) e pela capacidade de se impor sem ajuda de ninguém.
Ao João Pedro Pais nada foi dado de borla.
Não teve um pai que o amparasse.
Não teve dinheiro que lhe aplanasse as dificuldades.
Não teve a certeza absoluta de que contava para o totobola, de que teria possibilidade de ganhar o seu dinheiro, de sobreviver quando acabasse o curso profissional na Casa Pia.
3.
Com menos de dez anos cantava na escola. E aprendeu a lutar no internato, aprendeu a fazer desportos de combate, a luta greco-romana e o judo.
Todos tombavam quando com ele lutavam, faziam fila para ver se conseguiam levá-lo ao chão, mas havia naquele rapaz um fogo qualquer, uma raiva que não era agressiva e maldosa, mas que era raiva… em menos de um minuto iam todos ao tapete.
João foi a campeonatos do mundo e europeus.
Teve boas classificações, ficou à porta dos Jogos Olímpicos.
Foi por pouco que não conseguiu qualificar-se para os Jogos de Paris, em 1992. Nessa altura, o seu sorriso ainda era mais triste, os avós maternos já cá não estavam, eram eles que ficavam cheios de medo quando ele resolvia desaparecer-lhes da vista para andar de elétrico, eram eles o seu apoio.
O avô e a avó.
Os pais da sua mãe que teve de o pôr na Casa Pia por desejar que tivesse uma profissão.
4.
Conhecia as peixeiras do Mercado de Benfica.
Corria pelo Jardim da Estrela onde talvez tenha dado o seu primeiro beijo.
Cantava e dançava sem desafinar.
Era baixinho, mas tinha muitas pretendentes. Que não percebiam a razão para ele ser tão calado, tão tímido, sempre nas suas coisas, no seu mundo particular.
Que é o seu mundo desde que se conhece.
Virado para dentro, envergonhado por não saber o seu lugar, por achar no íntimo que não quer incomodar os outros, que não quer estar a mais, sentir-se a mais, ser maltratado.
João Pedro Pais é um dos grandes.
O seu sorriso é triste, mas tem um pacto com a vida e é verdadeiro.
O que faz, o que toca, o que diz é verdade.
Agora sou eu que te digo, telefona-me!
Texto e programa de Luís Osório
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