1.
Por fora é uma casa igual às outras, mas por dentro melhora as pessoas que entram, dá-lhes conforto, apaziguamento e dignidade.
No bairro do Beato, um dos mais difíceis de Lisboa, lugar de azinhagas, becos e gente esquecida, há uma casa que recebe os mais pobres entre os pobres, mulheres e homens para quem um banho quente lhes sabe pela vida.
Também lá vão sem-abrigos, tomam um cafezinho, lavam a roupa que lhes cabe numa mochila e passam-se por água – saem com a cabeça menos baixa e, alguns deles, oferecem até o que já não achavam ser possível, o seu melhor sorriso.
2.
No Beato, bairro marcado por delinquência e exclusão, terra da Picheleira e de Xabregas, há uma cabeleireira que recebe as senhoras que não podem pagar.
Mulheres que nunca tinham tratado do cabelo ou para quem se tornara impossível arranjá-lo, entram na casa e encaminham-se todas as sextas-feiras para o salão de beleza.
Esperam e conversam de trivialidades e fofocas, coisas boas que nunca acreditaram ser para elas, mulheres que se habituaram a sobreviver e a fazer o que fosse preciso para que o essencial faltasse o menos possível.
3.
É o espaço mais bonito da Associação de Moradores Viver Melhor.
Não é mais importante do que os duches e a sala de estar, mas é o mais bonito.
Porque feito do que não é essencial sendo essencial.
Ninguém precisa de arranjar o cabelo para matar a fome, mas cada uma daquelas mulheres sente-se parecida com o que acredita ser a vida das mulheres que não se limitaram a lavar escadas e a sofrer todos os dias.
4.
A Cátia é a cabeleireira que todas conhecem, como elas mora na Picheleira. É ela que torna bonitas as que raramente tiveram na vida a coragem de se olhar ao espelho.
É uma casa de feitiços bons a quem Amadine dá corda para que nada falte.
Uns acreditam ser um anjo, outros juram que é francesa.
É por ela que tudo passa, é ela que guarda o segredo da felicidade dos que a perderam pelo caminho.