As estatísticas não serão a única via, nem sequer a mais esclarecedora, para dar conta da importância de um grande evento artístico e mediático — por exemplo, o Festival de Cannes. Em todo o caso, vale a pena referir que a sua 77.ª edição (14 a 25 maio) pode permitir ao americano Francis Ford Coppola um recorde invejável. A saber: com o seu filme “Megalopolis”, o autor de “Apocalypse Now” está na linha da frente para ganhar a sua terceira Palma de Ouro, proeza que até agora nenhum cineasta concretizou — recorde-se que Coppola venceu o festival em 1974, com “O Vigilante”, e 1979, precisamente com “Apocalypse Now” (ex-aequo com “O Tambor”, de Volker Schlöndorff).
Em boa verdade, Coppola é apenas um dos nomes sonantes a integrar o alinhamento dos títulos que concorrem para o prémio máximo de Cannes. Aí encontramos, entre outros, o francês Jacques Audiard (“Emilia Perez”), também já vencedor de uma Palma (em 2015, com “Dheepan”), o canadiano David Cronenberg (“The Shrouds”), o chinês Jia Zhang-Ke (“Caught By the Tides”), o francês Christophe Honoré (“Marcello Mio”) e o italiano Paolo Sorrentino (“Parthenope”).
Isto sem esquecer que, entre os 22 filmes que este ano são candidatos à Palma de Ouro não faltam propostas que, certamente, irão provocar alguma agitação mediática. Será o caso de “The Apprentice”, do iraniano-dinamarquês Ali Abbasi, sobre os primeiros capítulos da vida financeira de Donald Trump, ou “Oh, Canada”, do americano Paul Schrader, centrado na personagem de um jovem americano que se exila no Canadá para não ser mobilizado para a guerra do Vietname.
O menos que se pode dizer da tarefa que aguarda o júri oficial, presidido pela cineasta de “Barbie”, Greta Gerwig, é que não será fácil fazer escolhas perante um leque de propostas em que iremos encontrar sensibilidades e tendências que estão a definir muito do que será o cinema do futuro — com resultados mais conseguidos ou menos conseguidos, a seu tempo saberemos… Mesmo sem esgotarmos a variedade da selecção oficial, lembremos que na competição estarão também autores como a inglesa Andrea Arnold (“Bird”) e o grego Yorgos Lanthimos (“Kinds of Kindness”), sem esquecer, claro, o português Miguel Gomes (“Grand Tour”, trailer aqui em baixo) — a última vez que o nosso país teve um representante a competir para a Palma de Ouro foi em 2006, com “Juventude em Marcha”, de Pedro Costa.
Entre as tradicionais secções paralelas, incluindo a Quinzena dos Cineastas, é forçoso destacar o espaço que mais cresceu nos últimos anos. A saber: a secção Classics, apresentando um leque espectacular de filmes restaurados, a começar por “Napoleão” (1ª parte), o clássico de Abel Gance com data de 1927. Nessa secção estará também “Paris, Texas”, por certo um dos títulos mais lendários de toda a história do Festival de Cannes: a sua sensibilidade dramática, a par da sua subtileza cinéfila, valeram ao alemão Wim Wenders uma Palma de Ouro eminentemente popular — foi há 40 anos.
Texto de João Lopes
Esta semana, no programa “Duas ou Três Coisas”, João Lopes e Nuno Galopim antecipam o Festival de Cannes. Para ouvir na RTP Play e na emissão da Antena 1, esta sexta-feira pelas 23h.