1.
As pessoas comentam na rua as avenças do primeiro-ministro, a sua paixão pelo golfe, o nome da empresa que já não é sua, as incompatibilidades, ingenuidades, táticas e estratégias, timings e candidatos, filhos e obras…
… as pessoas comentam tudo, mas nada do que tem sido comentado ou acontecido, mesmo a queda do governo ou a marcação de eleições, alcança os calcanhares do que realmente me fez pensar.
2.
Luís Montenegro surpreendeu-me nos primeiros meses em São Bento – a mim e a muitos como eu, à esquerda e à direita.
Parecia estar à vontade, dominar a comunicação e executar com método as prioridades do governo. Cheguei a criticá-lo pela
obsessão que parecia ter com Cavaco Silva – qual a razão para necessitar de uma proximidade com alguém que remete para o passado e não tem qualquer empatia?
Pensava que a obsessão era instrumental, mas estava errado. Ou então é um caso de megalomania, o desejo de ver reconhecido pelo povo um providencialismo que seria ridículo – e não creio que Montenegro o seja.
3.
O que me espantou então?
Muito simples, espantou-me saber que a casa de Luís Montenegro em Lisboa, o tal duplex que está em obras, fica na Travessa do Possolo a uns metros da casa de Aníbal Cavaco Silva.
Espantou-me que o homem, tendo 2500 ruas em Lisboa para escolher uma casa, arrendasse ou comprasse uma na mesma de Cavaco – como se explica isto?
Foi um mero acaso, um impressionante bambúrrio do destino?
Ou Montenegro quis mesmo marcar uma posição e tornar simbólica a sua ascensão ao poder? Torná-la ungida pelos poderes deste mundo e dos outros?
4.
É possível que estejas indignado a ouvir-me.
Que me perguntes o que tem isso de relevante?
Que me insultes por estar a lançar areia para os olhos sobre uma coisa sem qualquer importância.
Mas eu digo-te: claro que tem importância.
Oferece a possibilidade de conhecermos Luís Montenegro muito melhor, de o definirmos com mais clareza.
Escolher precisamente a rua de Cavaco Silva entre quase três mil disponíveis é tudo menos uma coincidência.
Não concordas comigo?