1.
João Pedro Gaspar nasceu em Coimbra e tornou-se geólogo.
Licenciou-se, completou o mestrado e começou a dar aulas no secundário.
Dito desta maneira é o retrato de um miúdo parecido com outros miúdos, com um percurso académico, boas notas e a normal entrada para o mercado de trabalho.
Só que o João Pedro enganava muito.
Por dentro era um vulcão de inquietude, desejava mais para si, queria obsessivamente tornar o mundo melhor, objetivos pueris e impossível de alcançar para a maioria dos sonhadores.
2.
Um amigo pediu-lhe para visitar um centro de acolhimento de miúdos problemáticos. Todos os dias havia problemas, ninguém parecia ter mão naquelas 80 crianças sem ponta de futuro.
Foi como voluntário e quis desistir no final do primeiro dia. Não era para ele, só por teimosia lhes bateu à porta na manhã seguinte.
E na outra.
E na outra.
João Pedro levava-os a ver a Académica, pagava-lhes tostas mistas, jogava à bola e à macaca, fazia pipocas.
3.
Isto foi há 25 anos.
João resolveu tirar um doutoramento a partir desta experiência.
Concluiu que não existia acompanhamento para os miúdos quando abandonavam os orfanatos, nos centros de acolhimento a lei era o presente, o futuro não passava de um país distante.
O geólogo tornou-se pescador de oportunidades e de almas perdidas.
Fundou a Plataforma de Apoio a Jovens Ex Acolhidos, o PAJE…
…e a sua vida mudou por completo…
…mais importante, a sua vida tornou melhor a de centenas de pessoas.
4.
A PAJE tem recebido vários prémios.
E João Pedro Gaspar continua tão empenhado como no segundo dia de voluntariado.
O seu telemóvel passou a estar sempre disponível – não pode não atender uma chamada de madrugada por não saber se a sua voz pode ser decisiva para salvar alguém de um qualquer buraco escuro.
Visita todos os meses prisões onde estão algumas das pessoas que ajudou, gente que não conseguiu evitar o desmoronamento.
Ao fim de oito anos são mais de 400 pessoas que a sua Plataforma ajudou. Gente que saiu dos acolhimentos com o que tinha no corpo, gente que teve de se fazer à vida sem sequer saber como se apanhava um autocarro e para onde.
5.
Gente que corria o risco de ser sem-abrigo, que corria o risco de enlouquecer de solidão, de se perder, de aceitar ser usado por
traficantes de carne humana, miúdos que não conheceram os pais ou quem foram maltratados pelos pais ou que viram a sua mãe morrer ou ser brutalizada.
São tantas as histórias.
São tantos os miúdos que só conhecem o ponto final parágrafo.
Tantos os que só desejam fugir daqui para fora, que só conhecem a violência.
Ou o amor de gente assim.
Gente que não desiste da utopia, de fazer a sua parte.
Gente como o João Pedro Gaspar, o geólogo de Coimbra que desistiu das pedras e dos vulcões para plantar flores no inferno.
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