1.
Já vi mais vezes As Pontes de Madison County do que A Música no Coração ou o Bambi.
Sou capaz de descrever ao pormenor o eterno momento em que Meryl Streep não sai do carro sabendo que essa decisão a impediria de viver o amor da sua vida.
Sei de cor, mas choro sempre.
Mais do que chorar, sinto um nó no estômago, um desconforto, uma necessidade de respirar o mais fundo que consigo.
2.
A força da cena só é possível por nos obrigar a fazer a viagem para dentro.
Para dentro de mim.
E de ti.
Não tem a ver com o sermos infelizes – podemos ser ou não.
Tem a ver com a necessidade de absoluto, de vivermos uma vida por inteiro, de agarrarmos a possibilidade de amar sem reticências, sem a rotina que nos esmaga, sem a brutalidade do que nos trava, consome, entristece.
3.
Ela não sai do carro e nós pensamos que também não abandonámos um qualquer lugar por medo ou obrigação de fazermos o que achámos ser o correto.
Ou então é o tal nó que em nós cresce.
A constatação de que nunca vivemos um grande amor, que nunca sentimos a plenitude de um abraço, que nunca achámos que a nossa vida poderia ser plena, arrebatadora, perfeita.
4.
Penso no dia em que não saí do carro.
Acontece-nos a todos, de uma maneira ou de outra.
Decidimos entrar numa porta e ficam outras entreabertas. Lugares que não visitámos, casas que não habitámos, beijos que não demos, amores que não consumámos.
Quando Meryl não sai do carro, não choramos apenas por ela, mas também por nós. E Meryl desaba em pranto por ela e por nós – pela condição humana, pela força da realidade, pela morte dos sonhos quando crescemos.
É bonito.
Poético e insuportavelmente triste.
Mas, ainda assim, vida.
A minha.
E a tua.
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