1.
Carlos Moedas falou com Daniel Oliveira.
E não teve receio de se colocar no lugar da vulnerabilidade.
O lugar dos seus pesadelos, das suas culpas, do que ficou por dizer.
Tenho visto alguns comentários de gente para quem tudo é oportunismo, para quem tudo se mede pelo que se ganha ou se perde, para quem tudo é aritmética – mas cada vez estou mais convencido de que as pessoas que cheiram oportunismo em todo o lado, que veem cálculo em todo o lado, o fazem por ser esse o seu mundo…
… afinal, só podemos ver de acordo com os nossos olhos; se as trevas já nos invadiram, a nossa visão será naturalmente do tamanho da sombra que em nós floresceu.
2.
O presidente da Câmara de Lisboa voltou a falar do pai.
Um homem respeitado em Beja, fundador do Diário do Alentejo, mas cedo perdido para o álcool.
Voltou a falar do inferno.
Do que sentia nas noites em que rezava (sem rezar) pelo dia em que o pai pudesse chegar normal a casa.
Da força com que fechava os olhos quando ele punha as chaves à porta na esperança de escutar uma voz mansa e carinhosa, na esperança de que o pai lhe entrasse o tapasse ou lhe perguntasse pelas notas, pelos sonhos, pelas dúvidas, pelas namoradas, pelo que fosse.
3.
Num tempo de tão cruel frieza não posso deixar de dizer que Carlos Moedas merece a consideração dos que acreditam na empatia, na força dos sentimentos, na coragem de uma exposição que nos torna a todos mais humanos.
Não tem nada a ver com o voto, mas com esta coisa de sermos gente, pessoas inteiras.
Ouvi-lo a dizer que se sentiu em paz com a morte do pai é muito forte e muito bonito.
Sei bem o que é, Carlos.
Sentirmo-nos confusos pela paz que nos chega com o fim da dor de quem amamos, sentirmo-nos culpados com a vontade de que o funeral passe depressa para podermos ter finalmente a nossa vida.
4.
Caro Carlos.
Sei que a vida do pai foi marcante, mas se pudesse escolher preferia conhecer a Maria de Lurdes, a mãe que aparou todos os golpes para que o filho pudesse ter um futuro.
A sua mãe.
A que punha o melhor na mesa para si.
A que lhe dizia sempre que já tinha jantado…
… a si e à sua irmã mais velha.
A irmã que foi uma segunda mãe e confidente, que se apagou para o Carlos poder brilhar, a que tem uma admiração infinita por si, a que ficou a chorar no dia em que foi viver para Paris, o dia em que uma bolsa de estudo o salvou de se perder.
Chorou de alegria, Carlos.
Chorou de muita alegria pelo irmão que amava, o irmão cheio de talento que não podia continuar a estar preso numa casa em que o futuro já não tinha arranjo.
Era isto.
Hoje era isto.
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