1.
Era amigo de Maria José Nogueira Pinto.
Falávamos muitas vezes e a Maria José, enquanto provedora da Santa Casa da Misericórdia, ajudou o meu pai numa altura bem difícil.
Tenho saudades da sua firmeza doce, da sua inteligência corajosa, da sua heterodoxia tolerante.
Já de Maria João Avilez, sua irmã, não sou amigo.
Tivemos até um ou dois problemas que são insanáveis, há uma dificuldade de parte a parte, acontece.
No entanto, é meu dever de consciência dizer-te do quanto foi poderosa a sua entrevista a Daniel Oliveira.
E do quanto me dá volta ao estômago o tratamento de que tem sido alvo por parte da comissão da carteira profissional.
2.
Vamos por partes.
Começo pela entrevista.
Por um pormenor que não foi o mais citado da conversa, mas que em mim me tocou particularmente.
A Maria João tem uma relação próxima com Deus, uma relação íntima que lhe vem da fé – se revirmos a sua entrevista ao Papa Francisco percebemos o seu compromisso, um compromisso ainda assim crítico, mas evidente.
3.
Confrontada na entrevista com Daniel Oliveira com a decisão da sua filha se tornar carmelita, a mãe não hesitou na resposta.
Aos 34 anos, Verónica tinha uma vida de sucesso.
Inteligente, luminosa e com uma energia inesgotável, nada faria prever que decidisse deixar tudo e assumir uma vida de clausura, uma vida no convento e totalmente fechada para o mundo.
Sim, Maria João Avilez podia ter dado uma resposta politicamente correta.
Sendo religiosa, tendo na sua base familiar uma relação de proximidade com a Igreja Católica, poderia ter decidido responder de uma outra maneira, seria compreensível.
Não o fez.
Mostrou a sua incompreensão pela decisão da sua filha, um verdadeiro mistério definiu, um sofrimento que na vida da família nunca será completamente resolvido.
Foi mãe em primeiro lugar.
Muito digna também a maneira como falou do filho de cinco anos que morreu num desastre para o qual será impossível encontrar palavras suficientes.
4.
Quanto ao processo que está a decorrer por ter entrevistado o primeiro-ministro sem ter uma carteira profissional, quero manifestar a minha absoluta incredulidade.
Quando comecei no jornalismo, a Maria João já era há muitos anos uma estrela do jornalismo.
Já publicara livros de referência.
Era a principal repórter do Expresso, a principal entrevistadora.
Na revista liderada por Vicente Jorge Silva alguns dos seus trabalhos tornaram-se míticos.
Lembro-me de a ler numa reportagem sobre um hospital psiquiátrico, creio que o Miguel Bombarda. A história que ela contou de um dos doentes foi fortemente inspiradora e mobilizadora do meu desejo de um dia ser jornalista.
Ao longo dos anos lidei com mestres.
Vicente Jorge Silva, Fernando Assis Pacheco, José Cardoso Pires, Rogério Rodrigues e tantos outros – e todos reconheciam as suas qualidades e o seu modo de ser única… gostando-se ou não.
Álvaro Cunhal, Mário Soares ou Sá Carneiro achavam o mesmo.
5.
Ver agora um conjunto de jornalistas que, todos juntos, não chegam a dez por cento da experiência acumulada da Maria João, colocar-lhe processos por ela ter ousado entrevistar um primeiro-ministro sem ter carteira, é de malucos.
A burocracia, o legalismo, a pequenez e a mediocridade arrasam qualquer hipótese de um diálogo construtivo.
Não é com esta gente sem qualquer bom senso que a profissão pode descolar das dificuldades em que está.
Digo-o com tristeza.
Texto e programa de Luís Osório
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