1.
Há pouco mais de dois anos, no Verão de 2023, o país recebeu o Papa Francisco e quase dois milhões de jovens de todo o mundo.
Portugal mobilizou-se e foi muito bonito.
Esperei por Francisco à porta do colégio jesuíta de São João de Brito – estive a cinco metros do seu sorriso.
2.
Inesquecível a cerimónia de acolhimento ao Papa.
A vigília do Campo da Graça
A via sacra.
Os encontros com jovens refugiados e desfavorecidos.
A visita a Fátima e à Universidade Católica.
Inesquecíveis as palavras de Francisco.
A comoção das pessoas à sua passagem.
3.
Ao seu lado estiveram padres e freiras, bispos e arcebispos, cardeais e seminaristas.
O Papa esteve sempre rodeado, mas quase ninguém conseguiu ver o que sobrava para lá daquela figura.
Acontece-nos muito.
A nossa visão é limitada pela informação que temos, pelas expetativas que criamos, pela narrativa que construímos.
Quantas vezes ficamos embeiçados por alguém perdendo a possibilidade de conhecer ou dar pela presença de uma pessoa que esteve sempre próxima?
Alguém que depois se revela ao mundo no seu talento, no seu poder, na sua complexidade?
4.
Em todos os momentos de Francisco, em todas as ocasiões que o vimos, em todos os instantes que o aplaudimos, em todas as cerimónias em que foi cumprimentado por políticos, padres portugueses, jovens dos cinco continentes ou populares…
…estava um outro padre a quem ninguém ligou.
Um simpático arcebispo americano que trocava olhares com os poucos que com ele trocavam olhares, que cumprimentava as poucas pessoas que o cumprimentavam, que sorria aos poucos que lhe sorriam.
O arcebispo Robert Francis esteve sempre ao alcance dos nossos olhos.
Teríamos dado por ele se soubéssemos que, menos de dois anos depois, seria Papa.
Não teríamos perdido a possibilidade de o abraçar.
De o admirar.
De falar com ele – se o tivéssemos tentado teríamos conseguido.
Quantas oportunidades teremos perdido por o nosso olhar não estar educado para ver todos de maneira igual?
5.
Hoje, 23 de dezembro, quase véspera de Natal, quero confessar-te que fiquei ao seu lado no dia 3 de agosto, por volta das cinco e meia da tarde, do ano de 2023.
O cardeal Tolentino e o Francisco preparavam-se para discursar na Universidade Católica, mas ainda não estavam no palco.
A sala estava cheia de miúdos entusiasmados e expetantes. Gente que falava em várias línguas, confesso que nunca ouvira tantos mundos ao mesmo tempo.
Ao meu lado estava sentado Francis.
Atendeu uma chamada.
Cumprimentou duas ou três pessoas.
Esteve dez minutos ali até que alguém da comitiva o informou que o Papa estava a chegar do encontro anterior.
O Papa que ainda não o era, levantou-se, acenou-me com o olhar, e foi.
Foi para sempre.
Se eu soubesse ter-lhe ia dito.
“Padre Francis, a próxima vez que nos virmos o senhor será Santo”.
Perdi a oportunidade de ser anjo.
Mas perdi sobretudo a oportunidade de acreditar que os meus olhos tinham a capacidade de ver o que ainda não podia ser visto.
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