1.
Já escrevi sobre Ricardo Ribeiro.
Já te falei dos seus abismos, da sua infância difícil, das vozes interiores que nunca deixaram de lhe gritar às entranhas, de uma loucura que o ameaçou, que talvez não o tenha abandonado por completo.
Não torno ao assunto, mas o Ricardo recordou numa entrevista ao Blitz o tempo em que pastoreava ovelhas – dias inteiros a céu aberto, dias inteiros a ouvir o silêncio e os guizos, dias inteiros numa lentidão que o amedrontou antes de o envolver.
2.
Ricardo Ribeiro é uma das vozes mais importantes da cultura portuguesa.
Pelo que canta.
Pelo modo como canta.
Pelo que diz.
Pelo modo como diz.
Pelo que pensa.
Pelo que acredita.
Nasceu no bairro operário da Ajuda, em Lisboa.
Mas parece ter nascido no Alentejo profundo.
É visceralmente português, mas as suas melodias desafiam fronteiras…
… nunca digas que é apenas fadista.
Ricardo é também a morna de Cesária.
O flamenco cigano de Diego El Cigala.
A música berbere do Norte de África.
3.
É poderoso.
Esmagador quando está gordo.
Esmagador quando está magro.
Dilacerante, dilacerado.
Esperançoso, pessimista.
É cilício e libertação.
Força e doçura.
Medo e esperança.
4.
Quando o ouvi a cantar o seu novo tema, quando o ouvi a falar da sorte, da sua má sorte, do que tem brincado com ela, comovi-me como há demasiado tempo não acontecia.
Vê-lo assim…
… virado para dentro e a castigar-se por fora, a salvar-se em ringues de boxe ou a aprender a ser pai de uma menina que o transformou…
… vê-lo assim, dizia-te, é comovente e necessário.
Necessário para nós, para mergulharmos para dentro do que somos, para nos deixarmos ir na sua voz…
… a voz do mais profundo e fulgurante artista português.
Ricardo Ribeiro de seu nome.
Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, YouTube e RTP Play.