Em janeiro de 1973, Bowie anunciava à imprensa que o seu próximo alter ego seria um certo Aladdin Sane (ler, na verdade, “a lad insane”)… Este seria também o título do seu novo álbum, que, como chegou a ser dito na altura, era uma espécie de “Ziggy goes to America”.
O som polido e eloquente de The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars dava lugar a um rock mais pujante, todavia um híbrido com personalidade marcada pela presença da sensibilidade jazzística e bluesy de um novo teclista (Mike Garson) e pelos primeiros indícios de curiosidade de Bowie pela música negra norte-americana, evidentes em Drive-In Saturday ou na versão de Let’s Spend the Night Together, um original dos Rolling Stones, banda cuja relação com a América negra Bowie aqui toma por evidente referência.
O disco, apesar dos sugestivos retratos urbanos americanos que reflete, é todavia mais um exercício de fantasia narrativa através da qual Bowie mantém vivo o seu interesse por histórias e figuras que traduzam noções de religiões devastadas pela força da ciência, aparições messiânicas alienígenas, o impacte das várias noções de fama na sociedade, o consumo de drogas, a degradação da vida humana em tempo de vazio espiritual. Ou seja, uma continuação das ideias experimentadas em The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars, talvez mais subjetivo, sem perder contudo de vista uma identificação autobiográfica que abre pontuais frestas numa etapa de vida intensa, quase descontrolada, por vezes esquizofrénica…
Aladdin Sane, o primeiro álbum de David Bowie gravado depois de este ser uma estrela pop, com sessões de estúdio entre Londres e Nova Iorque, vinca uma lógica estética que contribuiu, depois das revelações nos T-Rex e reações nos Roxy Music, para definir a Santísima Trindade do glam rock, sendo The Prettiest Star o tema que mais se aproxima de um paradigma que rapidamente gerou clones por todo o Reino Unido.
A canção não era, contudo, nova. Depois do enorme sucesso obtido com Space Oddity, David Bowie preparava para edição como single o tema London Bye Ta Ta. Contudo, foi um outro tema gravado nas mesmas sessões que acabou por chegar a disco. The Prettiest Star tinha então (em 1970, quando chegou a single pela primeira vez) o valor acrescentado de ter juntado em estúdio, sob a produção de Tony Visconti, as figuras de Bowie e de Marc Bolan, que ali tocou guitarra. Apesar da grandiosidade do par, ambos estavam ainda longe de imaginar que pouco tempo depois seriam os rostos mais visíveis do glam rock. E o disco passou a milhas das atenções… Mais tarde, Bowie regravaria o tema, com outro arranjo, para o alinhamento de Aladdin Sane.
Se o berço de The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars aconteceu em Londres, a génese da sua descendência direta – ou seja, Aladdin Sane – foi contudo claramente marcada pela passagem da Ziggy Stardust Tour pela América. Tal como The Jean Genie, Drive-In Saturday, o segundo single que antecedeu a edição do LP (foi lançado em abril de 1973, uma semana antes do álbum) revelava marcas evidentes de uma vivência norte-americana. Não só entre as heranças do doo wop que se espelham na canção, como nas vivências que captou depois de uma passagem pelas estradas do Arizona (onde são “célebres” as narrativas de avistamento de óvnis). A canção retrata, ainda antes da distopia de maior amplitude que nasceria um ano depois em Diamond Dogs, um futuro disfuncional e desumanizado, mais desencantado e assombrado ainda do que aquele de que nos falara no álbum de 1972. O lado B inclui uma versão de Round & Round de Chuck Berry (a mesma que acabara fora do alinhamento do álbum anterior perante a chegada tardia de Starman).
Texto de Nuno Galopim
Aladdin Sane é um dos destaques desta semana no Duas ou Três Coisas, programa de João Lopes e Nuno Galopim. Este álbum de David Bowie marca também presença no mais recente episódio de Gira Discos, programa de Nuno Galopim.