Foi num sábado que tudo começou. Um muito jovem Elvis Aaron Presley, que já tinha por diversas vezes passado, ora a pé, ora de carro, pela Union Avenue, em Memphis, cidade para onde a família se havia mudado cinco anos antes, vindos de Tupelo, no Mississippi, onde ele mesmo tinha nascido, em 1935. Mas naquele dia entrou pelo número 706, por uma porta entre duas montras de vidro, ao lado de um pequeno restaurante no qual, muitas vezes, uma das mesas servia para reuniões quando o estúdio estava apinhado. Então conhecido como Memphis Recording Service (só mais adiante adotando o nome da etiqueta que o seu proprietário tinha ali fundado em 1952), o espaço tinha, além do estúdio propriamente dito, uma receção na qual, por detrás de uma secretária, estava uma mulher, Marion Keisker que, apesar de ter então uns 35 anos, era já uma figura com um longo historial na rádio local, onde se estreara ainda nos dias de escola, numa emissão para os mais pequenos. Marion era a secretária de Sam Phillips, o editor e proprietário, então com 31 anos, também com experiência na rádio sobretudo feita numa estação em Muscle Shoals, no Alabama, na qual o formato invulgarmente aberto permitia aos DJ a possibilidade de tocar quaisquer tipo de artistas, independentemente da cor da sua pele. Sam, natural do Alabama, tinha-se mudado para Memphis há já algum tempo e, em 1950, aberto o estúdio, o mesmo no qual Jackie Brenston e os seus Delta Cats gravaram, em 1951, o tema de Ike Turner Rocket 88, hoje considerado como o primeiro disco da história do rock’n’roll. Com trabalho feito ao serviço de outras editoras (como a mítica Chess) ou para o seu próprio selo (a não menos histórica Sun Records), Sam Phillips dividia o seu tempo entre gravações de artistas profissionais, abrindo também espaço a músicos amadores que, por 3,98 dólares, mais os respetivos impostos, podiam gravar uma sessão e de lá sair com um acetato podendo, por mais um dólar, juntar ainda uma cópia prensada. Elvis, que trabalhava cinco dias por semana (e estava portanto de folga nesse sábado) optou pela versão mais económica: um acetato. E da interação inicial com a rececionista ficou uma troca de palavras nas quais ele terá dado a entender que cantava de tudo um pouco, embora à sua maneira… Com um leve ceticismo face ao que Elvis contava, ela escutou. E convidou-o a entrar no estúdio.
Acompanhado pela sua guitarra, Elvis começou por cantar My Happiness, uma canção dos anos 30 de Borney Bergantine, mas com uma letra de Betty Peterson Blasco datada de 1948 e que então havia gerado um momento de sucesso para a dupla Jon & Sondra Steele e, desde então recriada em várias ocasiões, uma delas por Ella Fitzgerald. Logo depois, para completar as duas faces do acetato, Elvis cantou That’s When Your Heartaches Begin, um tema de 1937 de Fred Fischer, William Raskin e Billy Hill, gravado nesse mesmo ano pelo grupo Shep Fields Rippling Rhythm e reinventada quatro anos depois pelos Ink Spots. O próprio Elvis regressaria a esta mesma canção pouco tempo depois, regravando-a a 4 de dezembro de 1956 na sessão inesperada de um grupo pontualmente reunido neste mesmo estúdio, que juntava a Elvis nada mais nada menos do que Johnny Cash, Jerry Lee Lewis e Carl Perkins e que ficou conhecido como o Million Dollar Quartet. Em janeiro de 1957 Elvis voltou a esta canção, regravando-a uma vez mais, daqui resultando o lado B do single All Shook Up. Os Beatles também têm esta canção inscrita na sua história, já que a interpretaram em várias ocasiões em concertos entre 1959 e 1961 tanto em Liverpool como em Hamburgo e não só.
Ao terminar a sessão, como conta Peter Guralnick no seu livro Last Train To Memphis – The Rise of Elvis Presley, o jovem cantor terá olhado para o homem por detrás do vidro, aguardando uma reação ao que ali tinha acontecido. Ao que parece um aceno sem palavras terá acontecido, tendo Sam Phillips depois, em conversa com a rececionista, pedido para que esta anotasse o contacto de Elvis, acrescentando não só que era nome a reter, mas também que era bom baladeiro. Elvis contou, mais tarde, que vira essa sessão como o meio de gravar um presente para a sua mãe. Noutras ocasiões terá dito que queria sobretudo saber como soava a sua voz. Peter Guralnik nota que, pelo facto de ter optado por um estúdio profissional (havendo alternativas para amadores na cidade), se calhar o objetivo maior de Elvis era o de ser descoberto. Mas durante meses nada acontece. Regressa ao mesmo estúdio algum tempo depois, já em janeiro de 1954, para gravar um segundo acetato no qual regista I’ll Never Stand In Your Way e It Wouldn’t Be The Same Without You, igualmente sem consequências imediatas. Logo depois é chumbado na audição para uma banda que procurava um vocalista, assegurando então o ganha-pão como motorista. O vento da sorte muda quando, meses depois, Sam Phillips adquire uma canção (Without You, de Jimmy Sweeney) e lembra-se da voz do jovem Elvis para a cantar. Chama o guitarrista Winfield Scott Moore e o contrabaixista Bill Black e pede-lhes que façam juntos um ensaio noturno em casa. Os dois não ficam impressionados, apesar de, naquele momento, Elvis se apresentar de camisa preta e calças cor de rosa… Mas na manhã seguinte no estúdio, depois de tentarem tanto essa canção como uma versão de I Love You Because de Leon Payne, é o próprio Sam Phillips quem propõe que experimentem algo mais ritmado, sugerindo um blues de 1946 de Arthur Crudup. O entusiasmo tanto do cantor como dos músicos, faz nascer ali um momento de descoberta. Era aquele o caminho. Não apenas para Elvis, mas também para uma visão há muito imaginada por Sam Phillips, que procurava um cantor branco que pudesse fazer uma ponte com uma música que então era sobretudo criada e partilhada entre afro-americanos. That’s All Right foi assim o single de estreia de Elvis, editado em julho de 1954 pela Sun Records. Até agosto de 1955 gravaria mais quatro singles para a mesma editora. Em janeiro de 1956 dava o salto para a RCA Records, ao som de Heartbreak Hotel. O resto é a história que se conhece…