Um dos clássicos maiores do art rock dos setentas, o álbum de estreia dos Roxy Music definiu, juntamente com o seu sucessor, “For Your Pleasure” (1973), um díptico que corresponde a uma etapa na qual a música da banda era fruto da soma das visões de Bryan Ferry e Brian Eno, antes de um choque entre ideias e personalidades ter acabado, pouco depois, por deixar o grupo nas mãos do primeiro, o segundo partindo depois rumo a uma das mais importantes e inventivas carreiras da história da música popular. Também editada em 1973, a estreia a solo de Bryan Ferry surge no espaço de transição entre o segundo e o terceiro álbuns dos Roxy Music, após o afastamento de Brian Eno. Não deixa de ser curioso verificar ali uma afinidade (e ao mesmo tempo um contraste) entre as opções de Ferry nesta sua estreia a solo e as que, também em 1973, levaram David Bowie – outra estrela do firmamento glam rock – a editar, em “Pin Ups”, um álbum também todo ele feito de verões. A maior diferença, além da abordagem instrumental, tinha a ver com a matéria prima que cada um chamava aos alinhamentos. Bowie caminhava em volta de nomes e canções com um peso formador do seu gosto e definidas sobretudo num espaço que ele mesmo conheceu pessoalmente, no Reino Unido de finais dos anos 60. Já Bryan Ferry olhou, salvo algumas exceções, para o lado de lá do Atlântico, escutando vários cancioneiros, chegando mesmo a recuar aos anos 30 (no caso da canção que deu título ao disco). Este era o ponto de partida para uma obra que ora caminharia em paralelo com a dos Roxy Music (como aconteceu até 1975) ora nos períodos de pausa da banda, assumindo-se depois com o espaço central do trabalho de Bryan Ferry após o fim do percurso criavivo do grupo, assinalado em 1982 com “Avalon”.
“Retrospective: Selected Recordings 1973-2023” apresenta, no formato de 5CD (com livro) – havendo também uma versão encurtada para vinil duplo – um olhar panorâmico sobre a obra a solo de Bryan Ferry, notando como, na verdade, e depois de 1982, muitos dos seus discos traduziram evidentes sinais das heranças dessa reta final da discografia em estúdio dos Roxy Music. Esta retrospetiva começa por nos apresentar uma seleção de 20 canções que poderiam assegurar um alinhamento sob o prisma de um “best of” cronologicamente ordenado. O segundo CD junta canções que não chegaram a ser editadas em single, mas que constiuem momentos significativos recrutados entre os álbuns a solo de Bryan Ferry ou até singles que acabaram algo esquecidos (como o belo “Limbo”, de 1988 ou “Loop de Li”, de 2014). É neste segundo CD que encontramos “I Thought”, canção originalmente apresentada no álbum “Frantic”, de 2002, que assinalou um reencontro, longos anos depois, de Ferry com Eno. Presentes na obra de Ferry desde o seu álbum de estreia a solo, as versões tomam conta de um terceiro CD no qual o escutamos a cantar, entre outros, clássicos como “The Price of Love” (dos Everly Brothers), “Song to The Siren” (Tim Buckley) ou “Positively Fourth Street” (uma das suas muitas investidas pelo cancioneiro de Dylan). O quarto CD é dedicado a gravações com a “sua” Bryan Ferry Orchestra, desenhada para recriar canções (algumas dos Roxy Music) segundo pontos de vista apontados a outros tempos, com pistas sobretudo apontadas aos anos 20, mas não se esgotando aí. Estas manobras com carga nostálgica (e cinematográfica) podem até ter sido um detalhe curioso no curso da discografia do músico mas não me parecem justificar representar 20 por cento da seleção de uma retrospectiva. Melhor é o CD5, cheio de raridades e inéditos, ora recuperando canções quase esquecidas (como o single “Is Your Love Strong Enough”), ora apresentando uma remistura para “Mother of Pearl” (original dos Roxy Music), uma nova versão para “I Don’t Want To Go On Without You” dos Drifters ou uma parceria com Amelia Baratt, ao som de “Star”, que representa uma deliciosa ousadia eletrónica com travo contemporâneo. Como que a dizer que, mesmo na hora de recordar meio século de canções, a história não se faz apenas de nostalgia.