1.
Na história do humor em Portugal ela tem o seu lugar mais do que assegurado, mas poucos são os que dela se recordam imediatamente.
Nada de mais injusto.
Por que a Ana Bola é um caso espantoso de longevidade. Não a longevidade da maioria dos que resistem, feita de passos certos e pouco arriscados, mas um percurso feito de agitação permanente, de inquietude, de insatisfação e curiosidade.
2.
A Ana Bola andou comigo ao colo.
As minhas tias trabalhavam com ela numa empresa ligada à alimentação, a Ana era uma jovem secretária e não deixava ninguém indiferente.
Fazia rir, era louca e queria mais, queria tudo da vida.
Meteu-se na música, no teatro, na televisão, era divertida, conheceu as grandes figuras que, muito rapidamente, a desejaram na sua mesa.
A Ana Bola era o contrário de um país que acabara de sair da ditadura. Ela foi adotada como figura que simbolizava a liberdade e esse trunfo marcou-a nos primeiros anos de carreira.
3.
A Ana participou nos “Operários de Natal”, um disco revolucionário para crianças.
A Ana colaborou com o José Barata Moura.
A Ana gravou um disco com o Júlio Isidro e colaborou no célebre “Passeio dos Alegres”.
Foi coro de Carlos Paião no “Playback” e fundou com Paulo de Carvalho e Fernando Tordo “Os Amigos”.
Apresentou na rádio programas dedicados à música moderna, como o “Rock em Stock”.
Fez publicidade, escreveu argumentos, entrou em filmes e da sua amizade com Herman José nasceu uma colaboração longa e feliz.
4.
Ana Bola é um tratado.
E entre todos talvez seja a atriz que mais se aproxima das pessoas comuns. Ela não representa, ela é simplesmente o que é, única e genuína.
Como manicura, como mulher do primeiro-ministro, como Pureza ou como Dora ela é sempre a que nunca nos quer enganar com aquilo que não é – nunca desejou ser uma grande atriz, uma grande cantora, uma grande argumentista, uma grande publicitária, uma grande coisa nenhuma por sempre ter preferido ser ela própria, a mulher curiosa, inquieta e sem filtros que está no palco, na televisão ou em qualquer lado como se estivesse no nosso sofá e fosse uma de nós, o nosso lado divertido e luminoso num país de tantos macambúzios.
5.
A Ana Bola acaba de fazer 72 anos.
E mantém o seu espírito, o seu humor e a sua vontade de viver gostando das coisas, vendo, indo ao teatro e cinema, ouvindo música com o seu companheiro de uma vida, o grande Zé Nabo, baixista dos Salada de Frutas, do Rui Veloso e de tantos músicos portugueses.
Muito obrigado, Ana Bola.
Também por me teres mudado a fralda.
Mas sobretudo por tudo o que concretizaste sem nunca abdicares de ser tu própria.
Texto e programa de Luís Osório
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