1.
Não tenho uma resposta que satisfaça os muitos que quiseram saber.
É que nos últimos trinta anos, com mais ou menos espanto, perguntaram-me:
“Não tens carta de condução?”
Alguns capricharam no modo de perguntar:
– “Não tens carta de condução???”
E houve também os que querendo rir fizeram-se de sonsos ou anteciparam a resposta:
– “Não conduzes? Morando em Lisboa não faz muito sentido ter carta”.
2.
Respondi sempre coisas diferentes, mas dentro da explicação mantive a punchline.
– “Nem o João Catatau me convenceu a tirar a carta”.
O Catatau era uma referência entre os que tiveram de estudar o código de estrada. Todos os livros que formaram os portugueses
que têm agora entre 40 e 80 anos, foram escritos por esta personagem tornada marca.
E como quase todos os que se transformam numa marca deixou de ser visto como uma pessoa. Ninguém terá pensado duas vezes sobre João Catatau, mas há milhões de portugueses que sabem que existiu.
Como não conhecer o português que vendeu mais livros do que Saramago, António Lobo Antunes e José Rodrigues dos Santos juntos?
3.
João Catatau morreu.
E não houve uma notícia.
Foi como se não tivesse acontecido ou como se ele nunca tivesse existido.
Ao pesquisar dei por um artista da bola e por um homicida, os dois brasileiros e os dois Catatau, mas do João nem uma referência.
Nem um apontamento acerca da morte do engenheiro agrónomo que nunca chegou a sê-lo. O homem que enriqueceu com o código da estrada, que disso fez profissão e depois arte.
O homem que ensinou meio mundo a conduzir, que fundou uma empresa que dominou o mercado e que nunca deixou os seus créditos em searas alheias.
Quando um dia lhe perguntaram, certamente que para gozar o prato, se tinha carta de pesados, respondeu:
– “De pesados, de ligeiros, de autocarros, de tratores e de motociclos”.
E tinha mesmo.
Não brincava em serviço.
4.
O João Catatau reformou-se e foi viver para o Brasil.
Não sei onde morreu, se lá ou se cá.
Sei que partiu incógnito o homem que mais livros vendeu em Portugal.
Tinha 78 anos e não houve uma única notícia.
É bem possível que se tenha feito à estrada.
Texto e programa de Luís Osório
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