1.
Pouco ou nada se tem falado do Grupo de Trabalho que substituiu a Comissão Independente que foi responsável pelo esmagador relatório sobre a pedofilia na Igreja Católica portuguesa.
É como se o assunto tivesse deixado de existir.
É como se o tema se tivesse desvanecido, como se tudo tivesse regressado à vida pachorrenta e habitual.
2.
O relatório foi entregue ao país por Pedro Strecht, Daniel Sampaio, Laborinho Lúcio e os restantes elementos da comissão.
Alguns tentaram descredibilizá-lo, mas o Papa Francisco fez por saber que lera e que o considerava um relatório exemplar.
Depois, nas Jornadas da Juventude, recebeu alguns dos abusados. E recebeu-os sem tempo ou como se tivesse todo o tempo do mundo para cada um deles. Ouviu, comoveu-se e pediu perdão a cada um e publicamente.
E agradeceu o trabalho da Comissão que apresentou as suas conclusões no dia 13 de fevereiro de 2023, faz agora um ano.
4815 crianças foram vítimas de abusos da Igreja entre 1950 e 2022 – o número não podia ser desvalorizado.
3.
Mas a coisa acalmou com a substituição da Comissão por um Grupo de Trabalho.
Alguns dos abusados, sei-o de fonte segura, deixaram de confiar como antes.
Viram o novo Grupo de Trabalho pôr no mesmo saco agressores e agredidos, como se a ajuda que as vítimas precisam fosse o mesmo tipo de apoio que os seus algozes necessitam.
E viram também o que antes não era possível – que bispos pudessem estar na mesma mesa dos especialistas em conferências de imprensa. Uma separação que era simbólica e que permitia a confiança de quem tem de sentir segurança por revelar sobre si o inominável.
4.
Não estou a acusar a Igreja de silenciar o assunto.
E ainda menos o Grupo de Trabalho de ser menos sério ou pouco preocupado com o destino de gente que ficou amputada de uma parte da sua dignidade.
Não tenho informações que mo digam e seria injusto se o fizesse.
Mas é um facto que se deixou de se falar dos abusados e de todos os casos relatados por uma Comissão que tinha a legítima expetativa – como o país – de que o tema seria seguido e teria alguma consequência.
Não fazemos ideia se teve ou não consequências.
Sei que deixou de ser assunto.
Como se tudo tivesse sido um sonho mau que agora sabemos não passou disso.
Um sonho em que o Lobo Mau, afinal, não comeu o capuchinho vermelho.
Texto e programa de Luís Osório
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