Em 1989, quando ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes com a sua primeira longa-metragem — “Sexo, Mentiras e Video” —, Steven Soderbergh começou o seu agradecimento com uma frase irónica que ficou para a história: “A partir de agora, é sempre a descer…”
Soderbergh nunca caíu nas armadilhas das consagrações oficiais ou nas ilusões dos sucessos comerciais, continuando a afirmar-se como um caso artístico invulgar, fascinante na sua aparente contradição. A saber: manteve-se como um genuíno independente, ao mesmo tempo que soube conservar todos os caminhos abertos para trabalhar com os meios dos grandes estúdios, em particular com actores e actrizes que possuem, de facto, a aura de estrelas.
Os seus dois títulos mais recentes — “A Presença” e “Black Bag” [trailer aqui em baixo] — são exemplos modelares da sua estratégia, e também do seu fulgor criativo. O primeiro é uma variação brilhante sobre uma convenção do cinema de terror (a família que começa a habitar numa casa assombrada…); o segundo revisita as histórias de agentes secretos envolvidos numa rede de fidelidades e traições, contando com o protagonismo de Cate Blanchett e Michael Fassbender. O primeiro nasceu como produção minimalista no contexto “made in USA”, com um orçamente ridículo de 2 milhões de dólares; o segundo foi feito com 50 milhões de dólares e tem chancela da Universal Pictures.
Em boa verdade, podemos definir a trajectória de Soderbergh através de um permanente ziguezague entre modos de produção com recursos inequivocamente diferentes, ainda que isso nunca afecte as qualidades artísticas de cada um dos filmes. Na sua vasta filmografia, deparamos com títulos de pequena (pequeníssima…) produção como “Bubble” (2005) ou “Kimi” (2022), mas o seu curriculum inclui também a série iniciada com “Ocean’s Eleven” (2001), prolongada por “Ocean’s Twelve” (2004) e
“Ocean’s Thirteen” (2007), sempre com as presenças emblemáticas de Brad Pitt e George Clooney.
Os exemplos citados são suficientes para reconhecermos a sua versatilidade na abordagem de géneros narrativos muitos diversos, incluindo a comédia negra explorada de forma desconcertante em “O Delator!” (2009), com uma das mais insólitas, e também mais brilhantes, composições da carreira de Matt Damon. Sem esquecer que tudo isso não é estranho a um gosto experimental, realmente ousado e inovador Como? Lembremos apenas o notável exemplo de “Unsane/Distúrbio” (2018), outra sofisticada derivação de algumas regras do cinema de terror que foi rodada com um iPhone 7!