“Uma historiadora e um escritor. Uma urbana e um rural. Um ilhéu e uma continental. Qual deles o Efeito e qual a Borboleta?” Esta é a sinopse de Efeito Borboleta, um dos programas que a Antena 1 abraçou em 2022 — uma introdução calibrada para estimular a curiosidade do ouvinte, para escutar as conversas que, a cada terça-feira, marcam a chegada da noite.
Mas há muito mais para dizer sobre este formato, “focado na marcha do mundo e nos seus mais subtis sinais”. É por isso que hoje (13 fevereiro) — dia em que pode ouvir um novo episódio de Efeito Borboleta — convidamos os autores deste programa a falarem da sua experiência até agora. Já a seguir, pode ler um depoimento do escritor e cronista Joel Neto, e outro da historiadora, professora e investigadora Raquel Varela.
Do meu pomar para o mundo
Texto de Joel Neto
Quanto ao Efeito Borboleta, como acontecia antes dele com o Palavra de Honra, a alegria começa no próprio local da gravação. Faço-o a partir de meu shed, a cabana que instalei no pequeno pomar que venho construindo no mesmo cerrado onde antigamente o meu avô fazia pastar a sua bezerra solitária – era motorista das barcaças da Alfândega, uma bezerra de cada vez bastava-lhe de rendimento e de entretém –, e tudo nisso encontra ressonância em mim.
No lugar remoto onde cresci, e depois de vinte anos de ausência, faço um programa na companhia de uma pessoa que admiro infinitamente, para a melhor e mais importante rádio do país, e só sobre assuntos com significado. Às vezes tenho algum dos cães dentro da cabana comigo, o ‘Gauguin’ ou a ‘Colette’ (ou mesmo os dois). Outras, o jardineiro Chico esquece-se de que estou a gravar e aparece à janela. E outras ainda acabamos o programa e eu limito-me a sair para o pomar, onde tenho a tesoura de podar ou a pulverizadora à espera para um par de horas de agricultura doméstica, com os airpods nos ouvidos e outros programas de rádio ainda a rodar.
É assim vai agora para três anos, no lugar dos Dois Caminhos, freguesia da Terra Chã, ilha Terceira, porque na verdade já era assim quando de O Fio da Meada, o espaço de opinião que dividia com outros escritores. E, sempre que voltam a acender-se as luzinhas naquela caixinha vermelha, eu experimento aquela mesma sensação original que combina uma infinita realização pessoal com um indisfarçável friozinho no estômago. No ar para todo o mundo: alguma coisa se estará a fazer bem na vida, e o melhor é não estragar tudo agora.
A Arte da Conversa
Texto de Raquel Varela
Na rádio é preciso pensar em quem não nos vê. Isso para mim era uma novidade, e um desafio. Estou habituada a falar com as mãos, o olhar, a postura, e de preferência em pé, movendo-me. Quando vou a uma reunião chata levo óculos escuros para ninguém perceber o que penso – agora talvez já não o possa fazer… Ora, a rádio protege-nos desses constrangimentos, mas também nos tira a moleta da comunicação não verbal. E a comunicação não verbal pode ser quase tudo. O desafio, portanto, é não deixar os ouvintes suspensos em frases sem sentido, desnatadas. Descobri um mundo novo, com o Joel Neto, na Antena 1. Por muitas razões, mas uma em particular. As muitas são que na Rádio ainda há tempo para pensarmos, e comunicarmos com alguma consistência o que defendemos, com dúvidas, colocar questões, sustentar argumentos, que não sejam meramente subjetivos, estilo “eu penso que”. Porque penso assim? Com que validade? Demonstro-o? A Rádio liberta-nos do espartilho do tempo veloz. Desafia-nos, portanto, a um registo mais calmo, o que nos obriga também a pensar como não ser repetitivo. Mas a principal razão porque adoro o programa chama-se a arte da conversa com o Joel Neto. A arte da conversa, um género em franca regressão nas nossas sociedades. Se posso partilhar convosco o que os ouvintes me dizem na rua é isso mesmo – vocês escutam-se. O Joel não deturpa os meus argumentos, dialoga com o essencial, foge ao detalhe, escuta-me com atenção, respeitando o que estou a dizer, para discordar ou concordar. Isso – que é a arte da conversa – é dos mais importantes géneros de comunicação. Espero estar à altura e fazer o mesmo – saber escutá-lo, ouvir o que ele quer dizer e não o que eu quero dizer que ele disse. Acho que só assim merecemos ser ouvidos. Depois há os temas, e aqui temos plena sintonia, nos nossos desacordos – queremos falar com os ouvintes do que não está na agenda – do quotidiano passado e presente, esse lugar que reclama aos gritos uma explicação, o género humano e a nossa vida em sociedade.