A obra de um dos nomes grandes da música é já maior do que o homem. Leonard Bernstein, pianista, compositor, maestro e professor, deixou uma obra musical imensa e reconhecida, e continua a ser uma inspiração. Bradley Cooper, ator e realizador, há muito que se imaginava a dirigir uma orquestra como Bernstein fazia de forma eloquente. Quando Steven Spielberg lhe fez o convite para realizar “Maestro”, percebeu que tinha de avançar. “Finalmente, depois de 27 anos nesta área, encontrei algo que faz sentido para mim, que é dirigir e interpretar um filme. Tenho esta obsessão em conduzir uma orquestra imaginária desde há muitos anos.” O filme esteve na competição do Festival de Veneza, mas o realizador e ator não falou com a imprensa, num gesto de solidariedade para com a greve dos atores que decorria na altura. Mais tarde, num evento promovido pela Academia de cinema de Hollywood, em concordância com as regras do sindicato, uma parte da equipa falou sobre o trabalho de levar ao cinema, a vida, a obra e o amor de Leonard Bernstein e da mulher, Felicia Montealegre, interpretada por Carey Mulligan. A atriz lembra como tudo começou: “A primeira vez que me encontrei com o Bradley para tomar um café foi em 2018, e ele disse-me que queria fazer um filme sobre casamento. Esta era a forma como ele queria abordar a história. A música seria uma parte desta história de amor, que parecia impossível. A ideia era mostrar a vida de dois artistas que viviam juntos. Ele é um génio que surge a cada geração, tocado por Deus. E ela era uma grande atriz que tomou a decisão de acolher Lenny no centro da vida dela”.
Tenho esta obsessão em conduzir uma orquestra imaginária desde há muitos anos.
Para lá da cronologia e sucessão de eventos que pode ser habitual num biopic, “Maestro” é um filme sobre as emoções e a cumplicidade de um casal. Foi também a ideia sublinhada pela filha mais velha de ambos, Jamie Bernstein, num encontro com a imprensa durante o festival de Veneza. “Eu não acho que seja um biopic. O projeto começou há tantos anos, que não conseguimos dizer por que razão só aparece agora. É uma ideia muito antiga e, no início, havia a intenção de fazer uma biografia. Mas o Bradley apareceu com uma ideia totalmente diferente de como abordar este projeto. Quando ele entrou no projeto mudou o conceito e tornou-a numa história de amor, de uma relação amorosa. Podemos dizer que é um retrato de um casamento.” A estreia de Bradley Cooper enquanto realizador aconteceu em Veneza em 2018, com “Assim Nasce Uma Estrela” exibido fora de competição. Desta vez, Bradley Cooper foi incluído na seleção oficial candidata ao Leão de Ouro. Antes mesmo do festival começar, já era o centro das atenções, com críticas às imagens promocionais e ao trailer do filme, pelo facto de ter usado um nariz postiço para se parecer com o maestro e compositor. Depois da projeção do filme, o nariz deixou de ser tema de conversa, ofuscado pelas interpretações de Bradley e Carey Mulligan.
A música seria uma parte desta história de amor, que parecia impossível.
Carey Mulligan fala dessa transformação: “O Bradley fez uma coisa extraordinária, que ainda estou a tentar digerir. Ele conseguia, enquanto Lenny, indicar que resposta queria que eu desse, ajustando o desempenho dele. Muito raramente, deu-me indicações verbais, fora da personagem. A maior parte das vezes ele conduzia a forma como eu iria responder.” Bradley Cooper sustenta que um realizador pretende “sonhar uma história em cinema, o mais alto que for possível. E depois ter atores que a consigam desempenhar. É isso que esperamos.” Os dois podem estar no caminho certo que os leve a serem nomeados para os Óscares de interpretação, e apesar de “Maestro” não ter conquistado qualquer prémio em Veneza, é seguramente uma das estreias do ano. Um filme que foge à tradicional biografia, para se tornar num retrato íntimo de uma figura marcante da música no século XX. Jamie Bernstein elogia o resultado e a forma como a música do pai usada no filme, também ajuda a contar em parte o que ele foi e representou: “Foi muito empolgante para mim e para os meus irmãos que o Bradley tenha decidido usar tanta música de Leonard Bernstein no filme. Nós achamos que a personalidade do meu pai é audível e percetível em muita da sua música. É como um autorretrato.” Bradley Cooper como Leonard Bernstein e Carey Mulligan como Felicia Montealegre em “Maestro”. Leonard Bernstein é retratado como um homem de energia inesgotável, intenso e arrebatador na forma como vivia e sentia a música. E tudo isso passa pela linguagem corporal enquanto maestro e pelo entusiasmo com que fala das obras e da música que criou ou que interpretou. A presença marcante de Leonard Bernstein é um dos grandes trunfos de Bradley Cooper enquanto ator, capaz de se assemelhar fisicamente com o maestro, mas sem perder complexidade e profundidade: “Talvez sintam que conhecem aquele homem, depois do filme. Esse era o objetivo. Poderem perceber o que se passa na cabeça do Leonard Bernstein quando ele está a dirigir a orquestra.” “Maestro” oferece uma visão alargada sobre o homem e a mulher Felicia com quem partilhou a vida, para lá dos romances ocasionais e de uma bissexualidade pouco assumida. Bradley Cooper conta a história dos dois ao longo de décadas, alternando entre preto-e-branco e cor, entre palco e bastidores e com uma segurança difícil de encontrar numa segunda longa-metragem. O ator realizador confirma a apetência por projetos especiais e, mais uma vez, tal como aconteceu com Lady Gaga em “Assim Nasce Uma Estrela”, acertou em pleno na escolha de Carey Mulligan para contar a história de um romance e de um homem que se tornou uma figura incontornável na história da música no século XX.
Texto de Lara Marques Pereira
“Maestro” é um dos destaques recentes do “Cinemax“, podcast Antena 1, disponível em Apple Podcasts, Google Podcasts e Spotify.
A propósito da estreia de “Maestro”, João Lopes e Nuno Galopim dedicam a emissão desta semana de “Duas ou Três Coisas” a Leonard Bernstein. O filme de Bradley Cooper é aqui apenas o ponto de partida para um retrato mais alargado que passa pela própria relação de Bernstein com as imagens que passa pelas adaptações ao grande ecrã de “West Side Story” (na origem uma peça de teatro musical estreada na Broadway em 1957) e também pela música composta para a banda sonora de “Há Lodo No Cais” (1954) de Elia Kazan, um filme marcante por várias razões, uma delas o desempenho como ator de um então jovem Marlon Brando. Este retrato sobre a relação de Bernstein com as imagens passa ainda pela evocação dos “Young People’s Concerts”, que o maestro e compositor criou para televisão entre 1958 e 1972. No final da conversa junta-se em estúdio João Almeida, diretor da Antena 2, que ajuda a definir melhor o retrato de Bernstein tanto como maestro como comunicador e compositor.