1.
Conheci o Sr. Juvenal há uns anos.
Já o vi a dar treino de boxe.
Já o vi a comer um ensopado de borrego.
Já o ouvi contar das suas enormes façanhas no seu tempo de pugilista.
Até já o vi a dançar um bolero com a minha mulher – o que me deixou vagamente inquieto.
Quando me apertou a mão pela primeira vez, o Sr. Juvenal quase me partiu os ossinhos. Ao meu primeiro “Ai”, percebeu que a sua força era desproporcional à minha.
Brincámos com isso.
Brincou ele porque o meu sorriso foi amarelo.
Não pensem que sou delicado.
Ou mais delicado do que a maioria dos que conheço.
2.
Deixa-me explicar melhor.
O sr. Juvenal é treinador das forças de elite da GNR.
Todas as semanas alguns dos mais preparados militares da Guarda encontram-se com ele no ginásio e saem ensopadinhos de suor e mais confiantes na força dos seus punhos e das suas pernas.
Até aqui tudo normal.
A única pequena questão é que o Sr. Juvenal tem 88 anos.
No boxe ficou conhecido como Juvenal Oliveira e continua a ser, até hoje, o mais vitorioso dos campeões de boxe amador em Portugal. No Parque Mayer, no Coliseu dos Recreios ou em qualquer lugar onde se fizesse um combate, Juvenal rebentava com os adversários.
Fizeram-se rábulas de Revista à Portuguesa sobre os seus músculos, foi ao Zip ZIP, era uma estrela na década de 1960, uma estrela maior do que Belarmino que acabou na miséria, mas teve as graças e a atenção de realizadores e jornalistas, como Fernando Lopes e Baptista Bastos.
Juvenal era uma estrela, mas ao contrário de Belarmino, manteve sempre os pés no chão. Foi fazendo e aprendendo outras coisas, trabalhou em talhos, especializou-se no treino, nunca deixou o corpo ruir.
3.
Era parecido fisicamente com o grande Jake La Motta. A sua voz rouca de um tabaco que nunca fumou, candidatava-o, se tivesse nascido no Bronx, a uma estrela de cinema num filme de Coppola ou Scorsese.
O Sr. Juvenal continua a namorar.
A ter as suas conquistas.
A viver a sua vida como se tivesse 40 anos.
Continua rijo e dificilmente alguém o consegue quebrar.
E quando o vemos no ginásio a ensinar o corpo de elite a ganhar no corpo a corpo… quando o vemos de luvas calçadas percebemos que há coisas que dificilmente conseguimos explicar.
Juvenal, com a voz rouca de uma Lisboa quase desaparecida, é um personagem maior que a vida.
A esta ganhou por KO.
Quanto à morte, se o quiser levar ao tapete, terá de aguentar até ao último assalto.
E não é certo que vença.
Dependerá do julgamento do árbitro.
Se o encontrar na rua, se com ele se cruzar, não lhe aperte a mão. Não o provoque.
Tem 88 anos, mas em campo aberto continua a ser o menino que derrubava adversários com a mesma limpeza de um apreciador de almôndegas do IKEA.
Texto e programa de Luís Osório
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