1.
A história que te vou contar parece mentira.
Aconteceu com o homem que António Costa escolheu para pensar e executar a recuperação económica no rescaldo da pandemia.
Ofereceu as ideias e o primeiro-ministro desafiou-o a liderar o Ministério da Economia e do Mar
Nem todos os socialistas gostaram, era um outsider e a maior parte da sua vida fora dedicada ao negócio petrolífero.
António Costa Silva lá fez o seu trabalho e o certo é que o país recuperou economicamente.
2.
Claro que não é essa a história.
A epopeia dos vencedores ou bem-sucedidos raramente é tão interessante como a dos falhados.
Recuo então quase 50 anos.
Imagina-te em Luanda, o ano é 1977 e Angola está em ebulição.
A maioria dos brancos portugueses regressara à antiga metrópole, mas vários ficaram.
Permaneceram os que se sentiam mais angolanos do que portugueses e os que estavam nas fileiras políticas do MPLA.
O jovem António Costa Silva, então com vinte e poucos anos foi um deles.
3.
A morte de Amílcar Cabral, ainda antes da independência, abalara-o fortemente.
E influenciou-o a ponto de jurar a si próprio que a revolução não poderia pactuar com cobardia ou silêncio. O exemplo de Cabral, assassinado por militantes do seu PAIGC, movimento guerrilheiro da Guiné Bissau, não podia ser esquecido.
António junta-se à Organização Comunista de Angola, um grupo de gente ligada ao MPLA, mas com tendências mais esquerdistas do que a linha dominante do partido.
Perto do Natal de 1977, é preso.
E preso fica três anos.
Sem julgamento, sem visitas, sem qualquer contacto com o mundo exterior.
É ferozmente torturado, fica quase cego num dos espancamentos e em muitos dias acreditou que não veria a manhã seguinte.
Mas não é essa a história.
A história é a de uma manhã em que recebeu a informação de que seria fuzilado.
A manhã em que o levaram-no para o pátio da prisão onde estavam homens à espera num pelotão de espingardas.
Vendaram-lhe os olhos e encostaram-no a um muro.
António Costa Silva viu passar o mundo pelos olhos.
Pensou nos pais, na vida que não veria, na estupidez de tudo aquilo, talvez na infância.
Ficou assim à espera, mas os tiros não foram disparados.
Até hoje, António não sabe a razão.
Mas não há dia em que aquele silêncio de quase 50 anos não lhe venha à cabeça.
O dia em que não foi fuzilado.
Texto e programa de Luís Osório
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