1.
Mário Soares completou 100 anos neste sábado.
Não sei se a Isabel e o João, os seus filhos, prepararam uma refeição com pataniscas e peixinhos da horta que ele adorava.
Mas sei que dele tenho saudades.
Dele e de outros como ele, gente que já não existe, gente que abraçava mesmo quando o abraço podia ser arriscado, gente que seguia as suas convicções mesmo que estas os pudessem conduzir à derrota, gente que arriscava a pele mesmo que isso pudesse significar a perda de privilégios ou da própria vida.
2.
Mário Soares não é consensual.
À sua esquerda dizem que favoreceu a direita e os capitalistas.
À sua direita dizem que favoreceu os comunistas na descolonização.
Talvez seja essa a prova do que era e do lugar que ocupou, o de moderado, o de Kerensky num país que balançava entre os leninistas, os maoístas e os saudosos do czar.
3.
Mário era um menino rico.
E quando todos achavam que se agarraria aos privilégios e se acobardaria, assumiu na juventude a liderança da oposição não comunista. Podia ter tido uma vida tranquila, mas o seu imperativo moral foi mais forte – foi preso, esteve exilado, não viu os filhos durante anos.
Fundou o Partido Socialista.
Esteve no 25 de Abril.
E foi o ideólogo do 25 de Novembro.
Ganhou o combate aos comunistas, mas salvou-os de um regresso à clandestinidade.
Criou os alicerces da nossa democracia.
E criou as condições para pertencermos à Europa, a uma comunidade económica que nos permitiu ser mais do que imaginávamos ser possível.
Era de esquerda, mas segurou a Igreja Católica contra os radicalismos.
E fez regressar alguns dos capitalistas que se tinham exilado com o 25 de Abril – da mesma maneira que perdoou a Otelo Saraiva de Carvalho pela loucura das FP-25.
Mário Soares desejava a paz.
Achava que éramos demasiado pequenos para andar com guerrilhas, que devíamos prosseguir sem ressentimentos.
4.
Foi primeiro-ministro e Presidente da República.
Um Presidente extraordinário.
Gostou da vida como poucos.
Gostava de ler e era amigo de escritores.
Gostava de comer.
Gostava de rir.
De receber em casa.
Gostava de conversas pela madrugada.
Gostava de dormir meia-horinha depois do almoço.
Foi um grande homem.
Um gigante que nunca teve medo de errar.
Um gigante imperfeito como todos os que se aproximaram do cume da montanha mais alta.
Um abraço, Mário.
Texto e programa de Luís Osório
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