1.
Brincavam juntos na infância e estiveram lado a lado no tempo em que acontecem mais coisas em menos tempo.
Uma juventude partilhada nas ruas do Porto, nas conversas de miúdos, nas brincadeiras em casa um do outro, nos jogos de tabuleiro ou de caricas, a que chamavam “sameiras”.
São duas das pessoas mais brilhantes que conheço, mas não os consigo imaginar a brincar um com o outro, a serem amigos um do outro, a terem uma relação inquebrantável de uma vida.
2.
Falo-te de José Pacheco Pereira e de Júlio Machado Vaz
O José desde sempre aprisionado nos livros, única forma que conhece de ser livre.
O Júlio desde sempre aprisionado nas pessoas e nos seus excessos e carências, única forma que conhece de se libertar.
Os dois intelectuais, é certo.
Os dois professores, é certo.
Os dois brilhantes, cultos e comunicadores, é também certo.
3.
Mas ainda assim não os consigo ver juntos a jogar à carica – porventura por me ser difícil imaginar Pacheco Pereira a ser criança.
De alguma maneira, confirmaram esse meu preconceito na apresentação pública de um livro. Júlio confessou que José começou a ler os clássicos quando ainda usava calções. Ao contrário de si que se deliciou com o Tio Patinhas até muito mais tarde.
4.
Pacheco Pereira era visita de casa do amigo e os pais do Júlio tratavam-no como uma criança adulta. Eles e a avó paterna, uma força da natureza, que não escondia o desejo de ver Machado Vaz ser um dia Presidente da República, à semelhança do seu bisavô Bernardino Machado.
Não sei o que o jovem José pensava disso, mas nas ruas do Porto, nas salas de cinema, nos gelados de Verão, nos passeios de bicicleta ou nos planos que fizeram para o futuro, um e o outro souberam selar uma amizade para sempre.
Uma amizade que nunca foi quebrada.
Setenta anos depois de se terem conhecido continuam como se nada fosse.
Na verdade, continuam iguais no essencial, a viver como se fossem eternos.
Um dentro dos livros.
O outro dentro da alma humana.
Os dois livres, radicalmente livres.
Irmãos improváveis.