O retrato da miúda que se tornou mulher de Elvis Presley foi contado em livro, escrito por Priscilla Presley e agora adaptado ao cinema por Sofia Coppola. Na conferência de imprensa no Festival de Veneza, a realizadora desvalorizou o lado feminista do filme. E a própria Priscilla quis serenar todos os que vêm nesta história um caso de pedofilia e abuso.
Sofia Coppola volta a abordar as complexidades da adolescência, como aconteceu em filmes como “As Virgens Suicidas”, ou “Marie Antoinete”. O mesmo foco de interesse, sobressai em “Priscilla”, adaptação do livro “Elvis e Eu”, escrito por Priscilla Presley e lançado em 1985.
“Sempre me interessou esta ideia de identidade, e tenho curiosidade pela forma como as pessoas ultrapassam as situações, e no que se tornam. A história da Priscilla é muito rica nesse sentido, enquanto alguém que lida com outro que tem uma identidade muito forte e como ela tenta encontrar a sua própria identidade”, diz a realizadora.
A adolescente Priscilla entra na vida de Elvis Presley quando ele está a cumprir serviço militar na Alemanha e já ganhou fama mundial. Os dois casam quando ela atinge a maioridade.
Priscilla Presley: “Não aguentei o estilo de vida que [Elvis] levava e acho que qualquer mulher pode perceber isso.”
A relação, da qual resulta uma filha, dura pouco mais de 10 anos, até à separação. A história do casal, é sobejamente conhecida, mas, para Sofia Coppola, o livro acrescenta o discurso na primeira pessoa, pela jovem rapariga que viveu na sombra de Elvis.
“Quando li o livro da Priscilla pensei que todo o contexto era pouco usual, mas ela passa por todas as coisas que as raparigas passam até se tornarem mulheres. Ela fala abertamente e com detalhe sobre essas experiências. O primeiro beijo, ou tornar-se mãe. Todos esses momentos com os quais me consigo relacionar e que acho que são universais, embora nesse contexto pouco comum. Estava curiosa porque sabemos imenso sobre este casal que é lendário, mas não sabíamos o ponto de vista dela.”
Contar a história de um romance que começa quando um deles é adolescente, é levar para o cinema a dimensão da pedofilia, consentida por todos, que acompanharam na altura o casal.
Num momento da conferência de imprensa no Festival de Veneza, Sofia Coppola perguntou a Priscilla Presley, que estava presente, se queria falar para os jornalistas e contar a sua própria visão sobre o filme. Priscilla, a viúva de Elvis, emocionou-se e aproveitou para tentar afastar dúvidas sobre a natureza pedófila da sua relação com Elvis.
“Ele era muito amável, querido e amoroso. E respeitava o facto de eu ter apenas 14 anos (…) Nós construímos uma relação até que decidi ir embora. E não foi porque não o amasse, ele foi o amor da minha vida, mas não aguentei o estilo de vida que levava e acho que qualquer mulher pode perceber isso.”
Sofia Coppola: “É uma história muito humana.”
Priscilla deixou a casa dos pais na adolescência para ser preparada para o casamento com Elvis Presley. Durante o namoro que demorou ano, teve de manter segredo sobre a relação dos dois. Vivia na casa de Elvis e seguia à risca as indicações de guarda-roupa, ou maquilhagem, que a estrela entendia serem convenientes.
No livro, Priscilla relata que foi vítima de uma relação abusiva e até violenta. Por isso, dar voz à jovem que foi moldada para ser a mulher ideal de uma estrela planetária, é também uma abordagem feminista, mas Sofia Coppola desvaloriza e responde que tentou apenas ser fiel ao livro, e captar a dimensão universal da história.
“Para mim é uma história muito humana. A Priscilla dá um ponto de vista muito particular sobre os altos e baixos de uma relação e sobre a evolução dela como rapariga, neste mundo (…) Eu consigo lembrar-me daquela idade, de ter uma paixão por um rapaz mais velho, ou por uma estrela rock. Por isso, era importante manter o ponto de vista dela, para podermos acompanhar a história dela.”
Esta é uma história vista por Priscilla Presley que acompanhou a produção do filme e, segundo Sofia Coppola, “acrescentou imenso a esta experiência (…) Ela contava detalhes que nos fazem achar que estamos lá (…) Falar com ela foi muito importante e ajudou muito.”
A história do casal é contada num arco narrativo de mais de uma década, num exigente exercício para Cailee Spaeny, que venceu a taça Volpi para melhor atriz, com o desempenho de Priscilla.
Quanto a Jacob Elordi, ator australiano que ganhou visibilidade na série “Euphoria”, o desafio era ser o Elvis Presley que o público nunca conheceu na intimidade.
Um homem explosivo, infantil e inseguro
A relação dos dois, passa para o cinema sem julgamentos morais, retratada do ponto de vista da jovem que deixou tudo para viver um romance de sonho. Para Sofia Coppola, este é também o retrato de muitas mulheres na América dos anos 50 e 60.
“É a geração da minha mãe, quando as mulheres se sentiam realizadas em ter um marido bem-sucedido, uma boa casa, e uma criança. Qualquer coisa que saísse deste circuito, não era suposto.”
O lado doméstico e sombrio da relação do casal, é a proposta de “Priscilla”, o filme que dá voz à mulher que viveu ao lado de Elvis, e silencia quase por completo, a carreira do músico e cantor.
Sofia Coppola não teve autorização de quem gere o património musical de Elvis para usar no filme as canções que todos conhecemos. Em vez disso, a banda sonora capta o espírito da época e serve de suporte à história, onde Elvis Presley não é protagonista, mas é visto pela mulher, como manipulador e abusivo, num retrato difícil de aceitar no nosso tempo.