1.
O nome é importante para mim.
Os meus apelidos são as minhas rugas, as marcas do que sou, de onde venho, a única coisa que verdadeiramente tenho de meu.
Admiro cada bocadinho dessa terra sem terra, desse ouro sem brilho, desse património sem casas, carros, móveis de pau preto, pianos de cauda.
2.
Claro, os filhos.
És capaz de o ter pensado.
Tenho os meus, como tu terás os teus…
… ou sobrinhos, ou irmãos ou amigos que parecem ter nascido com o cordão preso no nosso.
Mas não é a mesma coisa.
Os nossos filhos não nos pertencem, são deles e da sua própria estrada.
Temos apenas que os amar incondicionalmente como se fossemos uma rede invisível, mas eles correm na sua própria pista e há sempre um dia que deixamos de saber em que raio de estádio passaram a ser aplaudidos ou apupados, deixamos de os ver como antes, deixamos de poder perguntar, deixamos de saber o que lhes passa pela cabeça.
E ainda bem, é mesmo assim.
3.
Osório.
O meu último apelido.
Respeitável, digno de se regado.
Uma família nova, de quatro ou cinco gerações, iniciada com a minha bisavó espanhola, Carmen – atriz fugida das mordomias de Castela para poder dançar e representar no boulevard lisboeta… dizem que foi princesa dos palcos no princípio do século XX.
Osório era o seu nome.
Por isso, a família nasceu bastarda – assim estava no registo do primeiro bebé nascido no seu ventre.
O avô Humberto, pai do meu pai, viu pela primeira vez a luz num barco entre o Brasil e Portugal. A esplendorosa Carmen passara nove meses a tentar amestrar a barriga para que ninguém percebesse que havia um figurante em palco.
Na família sabemos quem era o pai do bebé, mas não o perfilhou – homem poderoso, bem casado e de quem ela dependia para continuar em palco.
4.
Uma família paterna bastarda.
O nome que carrego.
O do meu pai.
Graças às suas diligências, o meu nome.
A vida é tantas vezes caprichosa.
O meu pai era homossexual assumido desde miúdo, mas foi o único de seis irmãos que teve um filho que pudesse transportar a bandeira do nome Osório nas cerimónias de Natal, como se a ceia de bacalhau representasse, todos os anos, a cerimónia de abertura dos meus Jogos Olímpicos.
Agora, já sabes.
Quando ouvires o nome Osório não penses em algo de pomposo, pensa na vida e nas suas oportunidades e caprichos.
Digo isso aos meus quatro.
Não deixo que se esqueçam de cada uma das rugas que um dia serão eles certamente a transportar.
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