1.
A minha mãe nunca foi ao Eduardo das Conquilhas e até hoje me penitencio por não a ter levado.
Não é que seja importante, a mãe falava da marisqueira apenas para ilustrar também com coisas boas a sua passagem pelo Sanatório da Parede onde foi internada com 4 anos e apenas saiu dez longos anos depois.
Ao longo da sua vida nunca mais voltou ao sanatório, mas íamos muito à praia da Parede, por causa das algas e dos seus ossos fracos – foi nessas idas à praia que ouvi falar do restaurante que começou por ser uma tasca e que acabaria por se tornar um lugar de moda e de gente com massa.
2.
O Eduardo das Conquilhas nasceu numa aldeia perto da Pampilhosa da Serra – em criança era pastor e a sua casa de pedra tinha mulas e porcos, um curral que aquecia o andar de cima onde a família dormia empilhada para melhor resistir aos intermináveis invernos.
O Eduardo ia de pé descalço guardar cabeças de gado em Arganil e, no final das tardes, ainda tinha tempo para amanhar as hortas dos vizinhos.
Tempos difíceis.
Caldos de abóbora era o que havia, caldinhos e uma ou outra coisa que podia trazer das hortas se abdicasse do pagamento.
3.
O Eduardo veio para Lisboa ainda adolescente.
Começou por vender carvão nas ruas, foi agulheiro na Carris e aproveitou a oportunidade para abrir um tasco muito perto do Sanatório onde a minha mãe perdeu a sua juventude e uma parte das ilusões de felicidade.
O Eduardo foi crescendo com o marisco, o restaurante tornou-se afamado e nunca lá a levei, uma pena não se terem conhecido – a minha mãe que associava a Parede à perda da juventude, o Eduardo que associou a Parede ao ganho de uma vida.
4.
Voltei a esbarrar com o Eduardo das Conquilhas numa notícia que me comoveu.
O seu filho, também para homenagear a partida do pai em março deste ano, resolveu pagar um cruzeiro de uma semana a todos os seus trabalhadores, onde incluiu as mulheres ou maridos e os filhos.
Ricardo Santos, o filho de Eduardo, prometeu e cumpriu.
Passaram pelo Funchal, pelas montanhas e vulcões de Lanzarote, por Tenerife onde mergulharam num dos mais afamados parques aquáticos da Europa.
Viram cada um dos pontos turísticos e contaram as estrelas em noites que não imaginavam poder viver.
Cantaram, dançaram, abraçaram-se e contaram de si.
5.
Não sei bem a razão, mas fiquei feliz.
Talvez pela minha mãe, talvez por ter a lágrima fácil e saber o que é não ter, o que é não poder, o que é não conseguir oferecer à família o que achamos que esta merece.
É claro que nas redes sociais lá vieram alguns com as críticas maldosas de sempre – que é tudo para vender mais marisco, que os patrões a sabem toda.
Faz-me impressão que apareçam sempre estes profetas da desgraça que apenas veem o mal, uma raça terrível, uma praga.
É que o Ricardo não tinha de fazer isso para vender mais marisco.
Se o fez foi por querer fazê-lo.
E isso é muito bonito.
Um gesto muito bonito que quis assinalar aqui por ser raro e por me parecer genuíno.
Texto e programa de Luís Osório
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