1.
Pauleta cresceu nos Açores e não havia Natal em que o seu pai, pintor na construção civil, não falasse de um golo que marcou ao Benfica.
Foi na inauguração de um estádio em São Miguel e a equipa açoriana perdeu 25 a 1, mas o pai de Pauleta, num momento de loucura, não deixou a bola cair e levou a ilha à loucura.
A ilha e a família do pequeno Pauleta que é capaz ainda hoje de descrever o grande pontapé do pai.
2.
Pauleta quis ser como ele.
Jogar no Lusitânia e marcar golos aos grandes que visitassem a terra.
Nunca lhe terá passado pela cabeça que se tornaria o segundo melhor marcador da história da seleção portuguesa, só atrás de Cristiano Ronaldo.
Golos atrás de golos.
Golos logo nos iniciados do Santa Clara…
… eram tantos que o Benfica veio buscá-lo, mas ele chorava toda a noite com saudades dos pais.
Regressou à ilha e talvez tenha acreditado que o sonho de ser um grande futebolista ficaria por ali.
Tinha 14 ou 15 anos.
Não ficou por ali, sabemos que não ficou.
Tornou-se uma estrela, um dos ídolos maiores do PSG, um dos melhores avançados da nossa história.
3.
Lembras-te de como festejava os golos?
Abria os braços e simulava o voo do Açor, uma ave de rapina que pairava na sua infância.
Centenas de vezes imitou o pássaro que se alimentava da morte, por cada golo, por cada celebração abria as suas asas…
… e nos seus melhores e mais decisivos golos, acreditou que podia tudo, até voar.
4.
Pauleta fez há uns dias 52 anos.
Tem uma vida bonita, tranquila.
Só lhe faltam os golos, voltar a marcá-los como se fosse jovem e tivesse o número nove nas costas e um povo a gritar nas bancadas.
Por vezes, em corridas que o ajudam a manter os músculos satisfeitos, quando percebe que ninguém está a olhar, abre outra vez os braços e reencontra uma parte do que nunca deixará de ser.
Deixou de marcar golos, mas o Açor continua nas suas asas como se o tempo não tivesse passado, como se o próximo jogo fosse o decisivo e as redes pudessem tornar a balançar no próximo fim-de-semana ou no outro a seguir.
Pauleta ainda tem nos ouvidos o som do público a gritar o seu nome.
Milhares de pessoas a festejar o golo e ele a transformar-se num pássaro de asas abertas.
Um pássaro feroz que sorri.
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