1.
Estive num destes fins-de-semana em Melo, aldeia de Vergílio Ferreira.
Luís Tadeu, presidente de Câmara de Gouveia, inaugurou a casa do escritor, tornou-a pública.
O autor do “Em Nome da Terra” não sabe que este seu título fez nascer um festival literário onde escritores se encontram com pessoas da aldeia, se misturam com quem não escreve nas cidades, se abraçam com bombeiros que trazem os seus livros para assinar.
Um dia falo-te de Adélia Carvalho, a mentora deste encontro dentro das montanhas.
2.
Mas hoje não. Hoje quero hoje falar-te de um homem que me pediu um autógrafo.
Estava a sair da Igreja de Melo, lugar de conversas e espanto, quando me perguntou se podia autografar o mais pessoal de todos os meus livros, o “Mãe Promete-me que Lês”.
Fiquei espantado com a sua ternura e humildade.
“Luís, se tiveres tempo e paciência assinas-me o livro?”
3.
O homem com o meu livro na mão chama-se Valter Hugo Mãe e não é apenas um escritor. Na verdade, é um dos melhores e mais reconhecidos escritores da nossa história contemporânea, sem dúvida com António Lobo Antunes o mais internacional entre os vivos.
Amado no Brasil ainda mais do que em Portugal.
Reconhecido por prémios, por vendas, por uma incrível capacidade de falar para os outros, de lhes dizer da vida, do que custa o mar alto, do que ainda assim vale a pena nesta poesia de estar aqui.
O Valter que um dia se agarrou à mãe com toda a força que reuniu nos seus pequeninos braços de criança para lhe pedir licença para morrer.
Não queria ir para a escola, tinha medo do que poderia encontrar, não desejava amigos, só ficar em casa resguardado e protegido.
4.
O Valter que destruiu todas as fotografias da infância e juventude.
Queimou todas as provas da sua profunda infelicidade, da sua dúvida permanente de que alguma vez pudesse ter um caminho próprio.
Destruiu as provas e renasceu na sua poderosa escrita feita de palavras que na sua boca parecem sempre por estrear.
Renasceu e é um outro.
Valter Hugo Mãe, um dos melhores portugueses que, na aldeia de Melo, terra de Vergílio Ferreira, me pediu um autógrafo com a simplicidade dos grandes.
Num tempo em que tantos estão virados apenas para o seu umbigo, é um ato revolucionário quando alguém assim nos surge.
“Luís, se tiveres tempo e paciência assinas-me o livro?”
Meu querido Valter, até ao fim do meu tempo não me esquecerei do tempo em que te escrevi.
Texto e programa de Luís Osório
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