“São 60 anos de memórias incríveis”: as palavras de Margarida Mercês de Mello podem resumir a edição de 2024 do Festival da Canção, a assinalar seis décadas. Este sábado (24), nos estúdios da RTP, decorreu a primeira semifinal da edição de 2024. Entre as dez canções a concurso, “Pontos Finais”, de Rita Rocha, “Teorias da Conspiração”, de Nena, “Bem Longe Daqui”, dos Perpétua, “Pelas Costuras”, de João Borsch, “Grito”, de iolanda, e “Memory”, de Noble, vão rumar à final (que será disputada a 9 de março, após a segunda semifinal a 2 de março).
O microfone da Antena 1 acompanha toda a ação – e de que outra forma poderíamos começar, senão por Mimicat, a voz de “Ai Coração”? À conversa com Maria Sá e Melo, repórter da rádio pública, a artista revive a experiência do Festival da Canção 2023, de que se sagrou vencedora. Este ano, é uma das juradas: “É um bocadinho ingrato julgar os nossos colegas, que se empenharam muito para fazer a atuação acontecer”, comenta, sublinhando acima de tudo “a partilha entre todos os artistas”.
Partilha e “camaradagem” foram palavras reiteradas ao longo do dia, como na conferência de imprensa, em que Noble descreveu o ambiente de “competição saudável, leveza e descontração”.
Do palco para o estúdio da Antena 1
Além do palco, dos camarins e da Green Room, um dos pontos de encontro é o pós-show da Antena 1. Noémia Gonçalves e o repórter Pedro Miguel Ribeiro conduzem esta série de emissões especiais, sempre depois do espectáculo principal. A primeira semifinal contou com os comentários de Pedro Penim e Joana Espadinha (intérprete de “Zero a Zero” no Festival de 2019 e autora de “Ginger Ale” em 2021).
Para Gonçalo Madail, coordenador geral do Festival da Canção, o pós-show é um momento importante de descompressão: “É onde os artistas conseguem respirar e ser realmente genuínos.” Quanto ao Festival, sublinha a juventude do leque de concorrentes: “Estes 60 anos englobam muita história, muito património, e o facto de estarmos a fazer isto com jovens é a nossa maior demonstração de vitalidade”.
Inês Lopes Gonçalves, repórter da Green Room, partilha desta opinião, reforçando que “o futuro é muito importante: olhar para a música portuguesa agora, sem nunca perder de vista que é para honrar o passado, sem uma nostalgia bacoca, que aqui estamos.”
Foi com este painel que os finalistas partilharam as suas primeiras impressões, na sequência do apuramento. “Só hoje é que me caiu a ficha”, afirmou João Borsch, intérprete e autor de “…pelas costuras”, cuja cenografia descreveu como “um universo distópico”, de “inspiração super tecnológica, quase fabril. [Como se fossem] tudo fábricas e eu o dirigente daquilo tudo.”
“Eu não sei onde enfiei os meus nervos, mas preparei-me com muitas aulas de canto, de corpo e movimento”, referiu iolanda sobre a performance de “Grito”, inspirada em sombras chinesas. “Principalmente para mim, que não danço nada, essa parte de trabalhar a presença foi super importante. Gosto de coisas muito épicas, às vezes sou um bocado dramática, e achei que o palco do Festival era o sítio ideal para isso.”
O Festival, de um sonho antigo à performance que abriu a edição de 2024, com o tema “Teorias da Conspiração”: Nena “[tentou] estar fiel à música pop, mas com um instrumento a acompanhar, o piano. Encarei isto como uma missão.”
Rita Rocha, a “caçula” do grupo, explica a maturidade a partir da sua veia observacional. “Eu não vivi muito, mas sempre estive muito ligada à escrita, aos livros, aos filmes. Investia muito tempo nisso, e acho que consigo transpor isso para as canções. Parece que vivi imenso, mas as minhas canções são sobre [pessoas e coisas que vejo], que estão à minha volta.”
“Banger de city pop”, comentou João Borsch sobre a prestação dos Perpétua, que se inspiraram em territórios orientais para os visuals da atuação. A propósito do quarteto, Pedro Penim sublinhou Ílhavo como um hub da cultura contemporânea: “Estas cidades são importantíssimas e continuam a dar talento a Portugal.”
Sobre ser o único intérprete a cantar em inglês, NOBLE, intérprete de “Memory”, esclareceu que a língua que canta não define quem é. “Onde eu for, o meu país vai comigo.”, frisou, acrescentando que “ é um desafio muito grande escrever em português. Apesar de gostar muito da nossa língua, acho que não seria benéfico para a minha carreira, para a minha voz, e para a minha música compor em português.”
Reencontrar caras conhecidas do Festival
Recorremos de novo a Margarida Mercês de Mello: “O festival está vivo e recomenda-se”. Palavras de presente e futuro, proferidas por uma figura emblemática da RTP, que apresentou o Festival da Canção em 1985 e 1993. É na confluência de modernidade e história que o evento se situa, como a Antena 1 também demonstra no podcast “Quis Saber Quem Sou”, de Nuno Galopim, João Carlos Callixto e Sofia Vieira Lopes.
A Antena 1 falou com alguns dos nomes incontornáveis do Festival da Canção, entre apresentadoras como Ana Paula Reis e Isabel Angelino, ou nomes que passaram pelo palco enquanto intérpretes, como Inês Santos, vocalista dos Alma Lusa, que em 1998 levaram “Se Eu Te Pudesse Abraçar” a Birmingham; ou Suzy, que venceu o Festival da Canção de 2014 com “Quero Ser Tua”, composta por Emanuel.
As apresentadoras Ana Paula Reis e Isabel Angelino subiram novamente ao palco, com as mesmas “borboletas na barriga”. Para a locutora de continuidade da RTP nos anos 80, que apresentou o Festival em 1991 e 1994, este regresso “é um momento para reviver a emoção e toda a dedicação deste projeto que, aos 60 anos, continua a manter a mesma qualidade”. Relembra a vitória de Dulce Pontes, em 1991, ano em que apresentou o Festival ao lado de Júlio Isidro, e 1994, pelo triunfo de Sara Tavares, que viu brilhar ao lado de Nicolau Breyner. Elogiou ainda o “minimalismo bem trabalhado”, a evolução do Festival que continua “muito vivo, alegre e bem-disposto” e, sobretudo, a genica desta “nova geração de jovens portugueses”.
Isabel Angelino, apresentadora em 1996, 2006, 2007, e presença assídua enquanto repórter, revela que “estar de volta ao palco que lançou tantos nomes na nossa música e outros tantos consagrados que nele têm participado ao longo desses anos” é um verdadeiro privilégio.
As intérpretes Suzy e Inês Santos, que este ano tomam o palco na condição de apresentadoras, asseguram que o vínculo com o Festival nunca se esvaneceu. “Assisto a todos os segundos de todos os Festivais”, diz Inês, que, na infância, formulava as suas próprias tabelas de classificação e fazia apostas com os irmãos. “De repente, era eu que estava em Birmingham a representar Portugal. Foi um orgulho gigante”, acrescenta, “principalmente com uma canção que carrega tanta portugalidade.”.
Já Suzy partilhou a sua proximidade com a Eurovisão, e relembra a dedicação do público eurovisivo: “Nos últimos dez anos tenho sido presença constante em eventos da Eurovisão, sempre a mimar este público tão especial”.
O júri decide
A Antena 1 falou com Gisela João, Benjamim, Pedro Oliveira e Mimicat, parte do corpo de júri que escolhe as canções que seguirão para a Grande Final. Todos partilham o sentimento de enorme responsabilidade que chega com o título de jurado: “A carreira dos artistas está em questão. É uma grande responsabilidade, mas que vem acompanhada sempre de muita diversão”, revelou Pedro Oliveira, vocalista da Sétima Legião.
Mimicat sublinha a nostalgia que é regressar ao Festival: “Ganhar foi só a cereja no topo do bolo – toda a experiência foi absolutamente mágica”. Elogia, ainda, a qualidade e diversidade das canções e deixa um conselho para a próxima semifinal: “Transformem a ansiedade em entusiasmo”.
Para Benjamim, que esteve no Festival duas vezes, em 2017 como teclista em “Nunca Me Fui Embora” (Intérprete: Lena D’Água, Compositor: Pedro da Silva Martins), e em 2018 como compositor de “Zero a Zero”, interpretado por Joana Espadinha, confessa: “Desta vez, estou menos nervoso, é a minha participação mais tranquila de sempre. É uma grande responsabilidade, mas estou muito bem acompanhado”.
Já Gisela João, estreante no Festival da Canção, assume o nervosismo que chega com a posição de jurada, porque “quem sou eu para julgar quem for?”. Reitera, no entanto, a felicidade de ver tanta gente a cantar em português, e a importância da livre submissão de canções. “Já são seis vagas para autores que, talvez, não teriam oportunidade de aparecer de outra forma. É um grande passo.”