1.
Tinha 36 anos quando morreu.
E menos de dois meses antes estava bem, tudo lhe corria bem.
Uma carreira extraordinária e precoce como médica, um celebrado percurso académico onde foi a aluna com melhor média do curso, dois filhos muito pequeninos que a faziam chorar em todas as noites em que por ela esperavam, uma paixão por salvar pessoas, por ser útil, por viver todos os dias como se a felicidade fosse possível enquanto aqui estava…
… que a felicidade talvez fosse fazer o melhor possível em cada dia, em cada combate, em cada doente por salvar.
A Dra. Catarina Graça Rodrigues era jovem.
E vivia para os outros.
2.
A irmã Marta, advogada bem-sucedida, administradora da Novabase, e sua melhor amiga, dizia-lhe muitas vezes para fazer também medicina nos privados.
Não era justo que ganhasse tão pouco trabalhando tanto.
E a Catarina, um bocadinho envergonhada, respondia-lhe que no privado se salvavam menos pessoas.
Ela parecia não ter tempo a perder.
Permaneceu no SNS e tornou-se uma das mais reconhecidas especialistas na técnica de ecoendoscopia. Diferenciou-se no estudo do intestino e na especialidade de Gastroenterologia, tornou-se em pouco tempo uma referência no Hospital Fernando da Fonseca, na Amadora.
3.
Podia ter escolhido todos os hospitais.
Podia ter saído para o estrangeiro, convites não lhe faltaram.
Podia, mas preferiu ir para um hospital de campanha. Um hospital frequentado por gente vulnerável, por pessoas que maioritariamente vivem em bairros sociais ou degradados.
Foi a essas pessoas que se dedicou.
Salvar vidas, empenhar-se, encaminhar os que não têm caminho, comprometer-se com um destino.
A Catarina era amada pelos colegas.
E parecia inesgotável.
Fazia diagnósticos, atravessava-se pelos doentes, dava o ombro aos colegas que precisavam de desabafar e quando chegava a casa tinha energia e amor para fazer dos seus dois filhos quase bebés os mais felizes bebés do mundo.
4.
De um dia para o outro, num maio qualquer, foi-lhe diagnosticado um linfoma fulminante.
Morreu menos de dois meses depois.
Os seus filhos tinham dois e quatro anos.
Os que com ela privaram não tiveram palavras para definir a terrivelmente injusta partida de uma pessoa que vivera para fazer o bem.
A administração do Hospital Fernando Fonseca homenageou-a dando o seu nome à Unidade de Técnicas de Gastroenterologia por tudo o que ela fez em tão pouco tempo.
5.
Passaram já quase quatro anos.
Os filhos têm oito e seis anos e eu conheci o mais novo, o Lourenço.
Este postal é para ti, querido Lourenço.
Que orgulho deves ter na tua mãe, não podias ter tido melhor sorte.
Um dia dar-me-ás razão.
Texto e programa de Luís Osório
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