1.
Hoje, 25 de Abril de 2024, é o dia em que a Celeste, com mais de 90 anos, regressa ao Chiado.
O tempo corre muito depressa quando envelhecemos.
E já passaram 50 anos pela revolução.
Meio século.
O país conheceu a democracia e às vezes não sabe o que fazer com ela.
Critica o que a democracia tem de melhor, o compromisso, o respeito pela diferença quando esta é genuinamente uma vontade de construir um futuro em comum.
2.
Hoje é o dia em que a Celeste volta ao Chiado com um enorme molho de cravos.
Trabalhava num restaurante que não abriu nesse dia de 1974.
O dono ficou pior que estragado, tinham imensas reservas e até comprara cravos para oferecer às senhoras.
Uma revolução estava na rua e proibiu-se todo o comércio.
Celeste festajara 40 anos, metade da vida.
Nascera pobre, fora abandonada pelo pai e ficara, mais dois irmãos mais velhos, com a mãe de descendência galega.
3.
No dia da revolução, Celeste levou para casa os cravos que o patrão deitara ao lixo.
Os tanques estavam na rua naquele final de manhã.
Quase à porta do quarto alugado onde dormia encheu-se de coragem e perguntou a um soldado.
“O que raio está a acontecer?”
O soldado respondeu-lhe:
“É uma revolução. Vamos para o Largo do Carmo prender o Marcello Caetano. Por acaso tem um cigarro?”
A Celeste não tinha um cigarro, apenas cravos.
E o soldado recebeu a flor que ainda não era a flor da liberdade…
…recebeu-a e colocou-a no cano da espingarda.
Os camaradas do jovem aspirante a herói também quiseram cravos e Celeste gastou-os todos ali.
Foi descendo até à Igreja dos Mártires e viu os soldados com os seus cravos a caminho do Carmo.
4.
A Celeste ainda é viva.
Pelo menos não tenho a notícia de que morreu.
Mas mesmo que tivesse morrido e nós não o soubéssemos, ela é o símbolo da revolução.
Da utopia.
De uma certa forma de ser português.
Da vida.
Mas também do esquecimento.
Celeste vive há muitos anos com uma pensão de sobrevivência, mas está em todos os livros da nossa história contemporânea.
Ela foi a revolução dos cravos.
Texto e programa de Luís Osório
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