1.
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é a principal instituição de solidariedade em Portugal. Sem esse braço, sem o dinheiro do jogo que a Santa Casa gere, os sucessivos governos teriam muito mais dificuldade em conseguir encontrar soluções para os mais variados problemas sociais.
Pessoas em situação de sem-abrigo.
Mulheres em fuga de maridos que as ameaçam, que as espancam, que utilizam os filhos como arma de pressão e de violência.
Doentes que não têm lugar em mais lado nenhum.
Médicos, enfermeiros e cuidadores que vão às casas dos que não conseguem sair da cama.
Toxicodependentes à procura de redenção.
Acompanhamento depois da morte de pessoas que ninguém reclama, gente a quem é “permitida” uma despedida digna.
Bebés, crianças e adolescentes órfãos ou que foram retirados aos pais e esperam ser adotados.
2.
Não temos ideia do que é a Santa Casa.
Dos heróis que ali dão o melhor de si.
Gente que se sacrifica todos os dias pelo bem-estar dos que estão no fim da linha.
E é importante dizê-lo para que não se pense que tudo é fácil, que tudo é resolvido como se dar o corpo ao manifesto fosse uma folha de Excel.
Não é.
É um esforço de muita gente.
3.
Confesso-te que fui a uma reunião para perceber se podíamos ser família de acolhimento de crianças à espera de ser adotadas.
A Santa Casa lançou um programa e explicou que está em causa o direito à felicidade de tantas crianças que estão sozinhas no mundo.
Em Portugal, mais de mil crianças vivem em instituições. E destas cerca de trezentas têm menos de seis anos.
Carregam já um passado difícil.
De pais perdidos no vício, de gritos permanentes, de feridas que só com amor podem fechar.
Esperam e vão ficando e ficando e ficando.
Estar numa instituição, por melhor que ela seja, por melhores pessoas que encontrem, não é o mesmo que estar numa família que seja o contrário do que elas conhecem.
Fui a uma reunião e pensamos se nos será possível.
Não é uma brincadeira.
O importante não somos nós e as nossas contas no céu ou provar que somos bons aos olhos dos outros.
Sou mais do que imperfeito, discuto, tenho maus pensamentos, cometo erros todos os dias. O importante são eles e elas, os pequeninos que não deviam ser sujeitos ao horror, que deviam ter direito a voltar a sorrir, a voltar a acreditar que são crianças e que podem brincar sem medo, sem terem de olhar para trás.
Ser família de acolhimento não é fácil.
Podemos ter de ficar com as crianças um ano, às vezes mais.
É difícil se corre mal.
E é difícil se corre bem e depois nos tiram por existir alguém que os adotará.
Mas vale a pena fazer.
Por eles.
Por elas.
Pequeninos que não sabem o que é isso.
Texto e programa de Luís Osório
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