1.
Chegou a Lisboa e poucos o conheciam. Jogava na segunda divisão inglesa e quase passava incógnito pelos jornalistas no aeroporto.
Os adeptos do Sporting puseram as mãos à cabeça pelo dinheiro que custara, mais de vinte milhões por um sueco alto, loiro e tosco?
Nem o nome ajudava: Vicktor Gyokeres, ou lá o que era.
2.
Filho de uma família húngara estabelecida em Estocolmo nos anos a seguir à Segunda Guerra Mundial, o rapaz marcara golos, mas na segunda divisão inglesa.
Veio com três ou quatro malas e um cabedal que mais parecia de futebol americano.
Ri-me antes do homem jogar à bola.
Quando começou a jogar à bola deixei de me rir.
Uma força da natureza.
Um monstro físico com habilidade e inteligência.
A nós benfiquistas só nos faltava isto.
3.
Vicktor, filho de um pai que também foi avançado, reconcilia-nos com o futebol.
Marca golos e todos os sportinguistas imitam a maneira como os festeja.
Já vi miúdos a chorar quando arranca, quando os defesas caem no chão como peças de dominó, quando dispara a bola para dentro da baliza.
Já vi avós também com as lágrimas nos olhos. E pais abraçados a filhos em comunhão e felicidade.
Sei que há doentes terminais que se agarram à vida para ver mais um jogo, para ver mais um golo e uma arrancada do rapaz de Estocolmo – gente que acredita poder esperar mais um bocadinho antes de morrer para ver o Sporting campeão porque agora é que é.
4.
Como é que há tantos malucos a fazer porcaria nos estádios quando o futebol pode ser tão bonito?
Como é que traficam o mal e fazem rebentar petardos e ameaças quando podiam estar apenas a aplaudir a arte de Gyokeres?
Como é possível não o aplaudir por ser do Sporting?
Ou não aplaudir João Neves por ser do Benfica ou Diogo Costa por ser Porto?
Ou Messi por não ser Cristiano?
5.
Quando vejo uma criança e um avô a chorarem por causa de um golo e de um jogador, quando os vejo com as mãos juntas a imitar a celebração do prodígio sueco, só me apetece fazer o mesmo sozinho em casa e voltar a reencontrar a pureza que só a infância nos traz.
Que hoje, em Guimarães, no Portugal-Suécia, possamos aplaudir o futebol e os que nos conseguem ajudar a encontrar a criança que já não sabíamos que existia em nós.
Texto e programa de Luís Osório
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